The Project Gutenberg EBook of Factos Notaveis da Historia Portugueza e
Biographia do Marquez de Pombal, by Josefina Pinto Carneiro Perestrelo

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Title: Factos Notaveis da Historia Portugueza e Biographia do Marquez de Pombal

Author: Josefina Pinto Carneiro Perestrelo

Release Date: June 18, 2010 [EBook #32869]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

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FACTOS NOTAVEIS

DA

HISTORIA PORTUGUEZA

E

BIOGRAPHIA

DO

MARQUEZ DE POMBAL

POR

JOSEPHINA PINTO CARNEIRO PERESTRELLO

 

 


 

 

LISBOA
TYPOGRAPHIA DE CHRISTOVÃO AUGUSTO RODRIGUES
104—Rua do Norte—104

1882

 

 {3}

A ex.ma sr.ª D. Josephina Pinto Carneiro Perestrello vae lançar-se na turbulenta atmosphera da litteratura. S. ex.ª não se estreia com assumptos banaes. O seu livro é fructo de profundos e aprimorados estudos. Seduziu-a o grande vulto da actualidade: e s. ex.ª não se contentou com a apotheose do marquez de Pombal... foi buscar a justificação dos seus actos nas leis primitivas da monarchia; no assentimento successivo das testas coroadas; e acompanha o illustre ministro até ao momento em que, desprendido dos enormes cuidados da sua vida laboriosissima adormece no duro leito da sepultura; e entra nos dominios da inexoravel posteridade.

Que os anjos protectores das damas honestas e corajosas cubram com as suas azas de ouro a intrepida escriptora é o que muito lhe deseja a sua admiradora e amiga

 

Lisboa, 1 de maio de 1882.

 

Maria José da Silva Canuto.

 

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{5}

Não é meu intento, nem teria forças para tão levantados vôos, escrever a historia circunstanciada do grande vulto que se chamou Sebastião José de Carvalho e Mello depois Conde de Oeiras e mais tarde Marquez de Pombal; pretendo apenas com os elementos que nos legaram historiadores e collectores de memorias da epocha, reduzir a breve transunto os traços principaes da sua, notavel administração, concorrendo assim com uma pequenina parte, porque pouco posso e sei, para remunerar, por occasião do seu centenario, factos que teem em si ensinamento, e que podem servir de estimolo e exemplo.

Procurarei esboçar o perfil d'esse personagem, que dentro em pouco se tornará quasi legendario, pelo muito que valia, pelo muito que conseguiu fazer, e porque n'um só homem se reuniu saber, energia, genio, capacidade, e outros dons que dariam para muitos, mas que reunidas n'elle foram um conjuncto benefico da prodigalidade divina, pois só um tal colosso poderia arcar com todos os obstaculos que se lhe oppunham; com todos os odios, todas as intrigas, todas as calamidades e catastrophes. Só a energia inquebrantavel de um tal reformador poderia levar a cabo a grande obra de regeneração, e progresso de que Portugal foi theatro.

A Providencia amerceando-se d'este paiz que já tivera importancia, insuflou-lhe no espirito todas as qualidades que fizeram d'elle um estadista admirado, não só dos seus, mas ainda mais pelos estrangeiros.

Direi pois como diz mr. John Smith nas suas memorias do{6} Marquez de Pombal d'onde traduzirei e colherei muitos dos traços, com que aqui procurarei dar ideia do seu caracter e feitos:—

[1]Such men are rised to station and command
When Providence means mercy to a land,
He speaks, and they appear: to Him they owe
Skill to direct, and strengh to strike the blow,
To manage with address to seize with power,
The crisis of a dark decisive hour.

Ainda referindo-se a elle diz o mesmo auctor a Sir Robert Peel—: Refiro-me á coincidencia que se dá entre a vossa elevada posição, n'este paiz (Inglaterra) e a que outr'ora occupou o grande ministro em Portugal.

Ambos foram em tempos criticos escolhidos para sustentar a honra e a força de grandes nações; e de ambos se exigia o delicado discernimento e a firmeza, que distinguiram o dito Marquez,—qualidades estas que lhe grangearam a admiração e inteira confiança do seu paiz, etc.

Diz ainda o mesmo com referencia á expulsão dos jesuitas:—Se fosse possivel anticipar aqui os promenores das Memorias que se seguem, no meio de todos os successos agitadores do ministerio d'aquelle estadista, seria custoso descobrir uma medida que na sua concepção exigisse mais coragem, ou que em seus resultados tivesse mais duravel importancia do que a expulsão d'aquella seita de Portugal. Este primeiro passo a principio causou admiração, mas depois foi successivamente imitado pelos soberanos catholicos de toda a Europa.»—Portugal enfraquecido pelas muitas guerras que havia sustentado dentro e fóra do paiz, não promettia vir a ostentar mais a grandeza e prosperidade que fruira na epocha em que os seus filhos sulcavam os—mares nunca d'antes navegados—epocha em que floresceram os seus mais illustres navegadores, guerreiros, valentes, insignes escriptores como o nosso immortal cantor dos Lusiadas, poema epico, que alem do seu grande valor real, tem ainda o merito da prioridade, pois foi o primeiro poema epico que se escreveu depois do seculo de Augusto. N'essa epocha a que se chamou a edade de ouro—, os portuguezes levavam a cabo emprezas como a de Vasco da Gama; plantavam o pendão das quinas na Africa, na India, conseguiam estabelecer-se na China, iam á Ethiopia, estendiam o dominio portuguez na Asia desde Ormuz até Malaca{7} etc. Não se satisfizeram porem com os descobrimentos no Oriente e voltaram as suas vistas para o Occidente, devassa Magalhães o estreito que ainda conserva o seu nome, porem morre antes de terminar a empresa que se havia proposto. Foi de então para cá que datam os descobrimentos na America e que Portugal se assenhorea de vastos dominios n'esse continente, e assim se foi desenvolvendo e accrescentando a prosperidade e engrandecimento da nação. Uma e outra haviam sido preparadas e tido principio no reinado de D. João I mestre de Aviz, rei illustradissimo e que deu á patria os mais brilhantes principes.

Em 1415 é tomada Ceuta á força de armas; em 1418 descobre Gonçalves Zarco a ilha de Porto Santo e no anno seguinte a Madeira, já sob os auspicios do infante D. Henrique, em 1433 morreu D. João mas deixou em seu filho D. Duarte digno sucessor.

Em 1444 é descoberto o archipelago dos Açores, e no anno immediato o de Cabo Verde. Reinando já D. Affonso V, tomou este aos Mouros, Alcacer Seguer, em 1458, treze annos depois, foram tomadas Arzila e Tanger. Seguia-se o reinado de D. João II principe que alcançou o ser applidado o Perfeito. Era illustrado, com a sua habil, ainda que por vezes tenebrosa politica, soube abater todos os poderes que o offuscavam conservando firme e superior a authoridade real.

Collisões terriveis obrigaram-n'o por vezes a lançar mão de meios extremos, não vacilando em empregar o punhal para fazer justiça por suas mãos. Foi no seu reinado que em 1482 Diogo d'Azambuja fundou o Castello de S. Jorge de Mina na Guiné, e dois annos depois descobria Diogo Cão o Congo e perto de trezentas leguas de costa. Em 1497 reinando já D. Manuel, primo e herdeiro de D. João II, partia Vasco da Gama a procurar a India Oriental chegando a Calecut com dez mezes de viagem. Em 1500, descobre Alvares Cabral o Brazil.

Foi n'este reinado que o Ceu parecia derramar venturas sobre Portugal, mas foi tambem n'essa epocha que se principiou a elaborar a decadencia que se lhe seguiu.

A emigração para o Brazil tirava á mãe patria os seus filhos mais uteis, e mais tarde a ambição do ouro fazia correr para as terras de Santa Cruz todos que pela industria poderiam colaborar aqui no augmento e conservação da prosperidade nacional. Alli um clima tão diverso do nosso, muitas vezes a miseria, a fome, a nudez, consequencias de uma guerra quasi continua com os indigenas e depois com as hordas de holandezes, de piratas, de inglezes, de francezes, etc., que quizeram successivamente despojar-nos, fez do Brazil um sorvedouro onde se afundavam todos, ou quasi todos{8} os portuguezes que abandonavam a patria por esse El-dorado que se lhe volvia em sudario. Todos esses braços não bastavam para lá, que pela falta de exercitos, estavam esses poucos sendo alvo de ataques e represalias, em que secumbiram, muitos milhares e faziam falta na metropole.

Á agricultura faltavam braços para se desenvolver; a industria morria de innanição.

Veio o reinado de D. João III, principe pussilanime enervado pelo fanatismo e incapaz de corresponder ás exigencias, que aquella conjunctura impunha ao inoperante.

Este monarcha arrastou o paiz á decadencia e ao abysmo.

Em vez de conquistas, estabeleceu a Santa Inquisição com todos os seus horrores. Seguia-se-lhe D. Sebastião que mal saía da infancia. Saturado tambem de edeias falsas, guiado pelo debil braço de sua avó, era quasi sempre surdo aos conselhos do seu aio e mestre D. Aleixo de Menezes, que o desviava de entregar todos os poderes em mãos sagradas. Não soube utilisar em proveito proprio, e no da patria, que n'elle fundava todas as suas esperanças, as bellas e nobres aspirações que lhe ferviam na mente. Foi impellido pelo enthusiasmo e pelo seu genio cavalleiroso para as terras de Africa, com o nobre pensamento, de socorrer um rei desthronado: mas a fatalidade que viera substituir as nossas passadas venturas perseguiu o mallogrado mancebo e desditoso monarcha, que derrotado na refrega de Alcacer Quibir, pereceu com a flor da nobresa de Portugal e o seu exercito de desesseis mil homens, foi destruido e desbaratado, deixando nas areas d'Africa o cadaver do rei, que não poderam reconhecer. Esta calamidade trouxe a Portugal as maiores complicações. Não havia herdeiro immediato e sete pretendentes se desputaram a corôa portugueza, e depois de mil intrigas e confusões o reino caiu em poder de Filippe II, que appoiava as sus pretenções com um exercito de 36 mil homens. Invadiu Portugal, fazendo assim, ou por falta de recursos, para se lhe opporem, ou por desanimo, com que os rivaes se auzentassem, e o deixassem na posse da sua usurpação.

Ficou pois Portugal anexo á Hespanha, em 1580. Ainda assim esse tyrano que foi appellidado—O demonio do meio dia—só logrou subjugar este povo á custa de milhares de vidas.—A mortandade e a carnificina foram horriveis. Diz o Conde da Ericeira no seu Portugal Restaurado e accrescenta «que o mar não querendo occultar tanto delicto, trazia os corpos ás redes dos pescadores, e retiravam-se d'ellas os peixes offendidos do insulto, recusando ser alimento de homens que mudando as disposições de Deus, lhes queriam dar homens por alimento.»{9}

Esta indignação dos peixes durou tanto tempo, que, segundo diz o mesmo historiador, «foi necessario ir a rogos dos pescadores, o Arcebispo de Lisboa, em procissão benzer o mar profanado por tantos sacrilegios, para que elle (como succedeu) tornasse a dar o seu tributo.»

A grande importancia a que Portugal se elevara entre as nações da Europa, não tardou em diminuir. O seu brilho declinou, em consequencia de torpe governo de Madrid, mas nem só a sua influencia e riqueza, mas o seu poder maritimo e colonial, porque as nossas esquadras se perderam nas costas d'inglaterra, fazendo parte da invensivel armada, e as melhores das nossas colonias foram atacadas e tomadas pela mesma Inglaterra e pela Holanda com quem a Hespanha estava em guerra.

O imperio que os portuguezes haviam adquirido na Asia, desapparecia. A perneciosa influencia de Castella sobre o nosso paiz, n'esses desgraçados sessenta annos, ainda hoje se sente, e veio cimentar entre os povos nascidos para serem irmãos, odios que uma desconfiança constante não deixa apagar. Desconfiança justificada pelo desejo dos hespanhoes de conseguirem a anexação! esperança que é n'elles uma utopia inveterada. A fusão das duas nações é repugnante. Opõe-se a ella o amor inabalavel, que os portuguezes, teem pela sua liberdade e a memoria, que nunca se apagará das atrocidades soffridas, n'esses terriveis annos de escravidão; e mais ainda o caracter e indole dos dois povos, que são completamente oppostas, e que só podem amar-se em quanto durar o respeito pelos direitos de cada um. Muito se amam entre si, os bons irmãos; mas cada um governa em sua casa, e ai do amor, se um d'elles, se lembra de querer governar a do outro.

Era então n'essa epocha em a nossa capital que se concentrava o monopolio de todo o commercio do Oriente. Aqui se reunia gente de toda a parte do mundo para o trafico dos productos da Asia. A posição geographica de Lisboa tornava-a por assim dizer o logar de rendez-vous de todos os estrangeiros curiosos ou commerciantes. Rebentou a guerra da Hespanha com Hollanda e em consequencia d'ella os hespanhoes expulsaram d'aqui os hollandezes que em represalia se assenhorearam de algumas das mais bellas joias da corôa portugueza, avultando entre ellas Ceylão e Malaca que nunca nos foram restituidas.

A Hespanha principiou então a colher os fructos que semeára. A medida impolitica e barbara da expulsão dos moiros da Hespanha, condescendencia do duque de Lerma com os padres, e do rei com o seu ministro omnipotente, foi-lhe tão fatal como a de D. Manoel de Portugal com a expulsão dos judeus, mas bem mais tragica.{10} Esse erro politico cavou-lhe a ruina e preparou-lhe a decadencia, fazendo desconhecer a Hespanha a quem a comparasse á do tempo de Carlos V. Como nós a Hespanha tivera tambem um passado gloriosissimo.

N'esses tempos seus filhos pensavam mais no engrandecimento e prestigio do seu nome, do que em subjugar um povo que pelo seu valor e energia, pelo muito que tinha feito conquistára o direito de ser respeitado e de conservar a independencia que sempre soubéra manter.

Como nós, que possuimos Alvares Cabral, Gama e outros, a Hespanha tivera um Colombo, Cortez e tantos mais. Como nós tivera no Cid Campeador o seu D. Nuno Alvares Pereira.

Em ambas as nações houve illustres navegadores, valentes guerreiros, habeis politicos, poetas sublimes, prosadores e dramaturgos universalmente conhecidos. No seculo XV eram consagrados os nomes de F. del Pulgar, e Juan de Mena, nós vimos florescer Gil Vicente que morreu no seculo seguinte no qual avultaram os nomes de Lucena, Bernardes, Camões, Osorio, Damião de Goes, João de Barros, Sá de Miranda e Bernardino Ribeiro; a Hespanha não teve que invejar-nos porque viu brilhar os de Carcilaso, Luiz de Leon, Luiz de Granada, Marianna, Santa Thereza, Cervantes, Gongora, Juan de la Cruz, Lope de Vega e Quevedo. No seculo XVII tiveram Calderon de la Barca, Moncada e Solis, e nós vimos surgir os brilhantes talentos de Fr. Luiz de Sousa, Padre Antonio Vieira, Sousa de Macedo, Freire de Andrade, Manuel de Mello e varios. São pois irmãos os dois povos da Peninsula, a Hespanha deve ser a nossa alliada natural, mas é mister que se conserve intacta a individualidade nacional de ambas as nações.

O affecto fraternal que deve unir os dois povos, só pode ser verdadeiro e duradoiro em quanto durar o respeito reciproco pelos direitos de cada um. Dotados ambos de grandes qualidades a indole dos hespanhoes é inteiramente diversa da dos portuguezes. As suas tendencias, gostos, habitos, etc., são outros e por conseguinte impossivel a sonhada e appetecida união. D. Filippe porém, aproveitando a decadencia a que tantas catastrophes haviam levado o reino, accentuou o seu direito por meio da força e de atrocidade em atrocidade elle, e depois os seus successores opprimiram este pobre povo, até que ao fim de sessenta annos um punhado de heroes, sem effusão de sangue, sem ferir batalha fez baquear o odioso dominio de Castella libertando a patria tanto tempo agrilhoada. Os nomes de Pinto Ribeiro, Castros, Mellos, Almeidas Athaydes, Telles, Almadas Cunhas, Silvas e outros serão sempre de gloriosa recordação, e de salutar exemplo.{11}

Parecia que devia renascer com a acclamação de D. João IV a grandeza e prosperidade da nação, mas foi fogo fatuo que breve se extinguiu. O rei tornou-se timorato e a rainha pouco podia, apesar da sua energica vontade. Além d'isso o Conde-duque de Olivares combateu por espaço de vinte e quatro annos propugnando os portuguezes com heroismo para manter a sua independencia nas fronteiras e para neutralisar as insidias de Hespanha junto do rei. Por varias vezes habeis conspirações estiveram a ponto de inutilisar a prodigiosa victoria dos quarenta bravos conjurados que appoiados no patriotismo do povo haviam conseguido sacudir o jugo castelhano.

Muitas tentativas contra a vida do rei foram descobertas. Isto tornava o rei cada vez mais fraco de animo, e entregou-se inteiramente aos conselheiros que nem sempre foram o que deviam á patria, ao rei e a si proprios.

Em 1643 romperam-se definitivamente as hostilidades, que só terminaram em 1665.

Mathias de Albuquerque desbaratou o exercito sob o commando do barão de Malingen, general da Estremadura hespanhola; todavia as campanhas que asseguraram e firmaram a independencia do reino, foram já dadas no reinado de D. Affonso VI. A batalha das linhas d'Elvas foi ganha pelo conde de Cantanhede em 1659. O conde de Villa Flor desbaratou no Ameixial o Archiduque d'Austria, o famigerado D. João d'Austria em 1663.

Em Castello Rodrigo venceu Pedro Jacques de Magalhães em 1664. No anno seguinte é refreiada totalmente a ardente furia dos hespanhoes, na batalha de Montes-Claros, ficando prisioneiros do Marquez de Marialva seis mil hespanhoes. De então para cá, a posse de Portugal tem sido apenas o sonho de todo o utopista hespanhol, porem a gente de bom senso reconhece o absurdo da ideia, e pensa com rasão que se n'essa epocha lhe foi impossivel sustentarem o seu dominio estando Portugal inteiramente falto de recursos, sangrado pelas continuas guerras tanto aqui como no Brazil, hoje que dispõe de mais braços e mais elementos de resistencia, não seria empresa facil. Essa regeneração teve principio nas medidas do Marquez de Pombal.

Pela morte de D. João IV, Portugal não mudára muito. D. Affonso VI foi desthronado e morreu preso no Paço de Cintra e sua mulher foi authorisada a casar com seu cunhado D. Pedro II pelo clero que foi chamado a representar n'esta escandalosa intriga, que só por si dá a medida do grau de desmoralisação a que havia chegado tudo n'este malfadado paiz.

Reuniram-se cortes para legalisar este attentado e fecharam-se para não tornarem a abrir-se.{12}

O reinado de D. Pedro foi curto e triste. Seguiu-se o reinado faustoso de D. João V, e este poz cumulo á depravação dos costumes e vicios dos grandes, cavando assim a decadencia do reino.

O povo soffria toda a sorte de vexames dos nobres que praticavam toda a casta de violencia e infamia acobertadas pela impunidade que lhe era concedida.

O rei, ou fosse em espiação de suas culpas ou porque o seu genio gastador a isso o impedia, D. João V, querendo imitar Luiz XIV gastou rios de dinheiro na edificação do Convento de Mafra, na Capella de S. João Baptista e em muitas restaurações de templos; a creação de uma patriarchal com os seus conegos beneficiados e principaes imitando o sacro collegio, levou para Roma muitos milhões. N'estas grandezas e esbanjamentos se sotterraram os productos das uberrimas minas que o Brazil continha no seu seio e que a industria mineira e o suor do escravo traziam á superficie da terra. Penalisa ver que tanto dinheiro, tanto trabalho, e tanta magnificencia não fossem empregadas em coisas de maior utilidade para o paiz. Ao passo que nos faltavam vias de communicação para o commercio interior, que não tinhamos fabricas, nem marinha, de guerra ou mercante, nem exercitos, gastavam-se sommas fabulosas em edificar um convento pelo theor da basilica de S. Pedro em Roma, n'uma mesquinha povoação!... Se terminada a obra, vinha d'ella proveito para a nação, foi coisa que parece não ter preoccupado o monarcha. Bastava-lhe que fosse lisongeado pelos seus aduladores, que lhe encareciam a sua piedade. O edificio tem alem do convento e egreja um palacio soberbo. Tudo foi feito com magnificencia regia; a arte revela-se em alto grau, e por todos os lados ha que admirar a cooperação dos melhores artistas que se mandaram vir da Italia.

É grande, é imponente, é sumptuoso e magnifico, mas é triste, sombrio e pezado. Fui lá uma vez, admirei-o muito, mas quando sahi respirei de alivio por que me parecia que toda aquella mole de pedra me cahia em cima e me esmagava com toda a sua grandeza. Impressionou-me bastante, e vel-o-ia ainda com gosto, se bem que estou certa que me faria a mesma impressão que me produziu ha vinte annos, apezar de já não ser a creança que era então. O outro monumento da sua prodigalidade, a capella de S. João Baptista na egreja de S. Roque, é uma verdadeira joia que não tem rival no genero, attendendo ao seu tamanho. Tem uns desesete palmos de comprido por doze de largo; é toda feita de lapis-lazull, porphyro, agatha, amethystas, alabastro, crysolithas, prata e ouro. Diz m. John Smith que custou 225:000 libras, mas, já tenho visto, não sei onde, estimar a sua importancia em bem mais elevados algarismos.

A concessão da Curia romana para empregar os thesouros do{13} paiz como o julgasse conveniente, custou tambem grossas quantias. Seguia-se a creação de uma dignidade ecclesiastica com o titulo de Patriarcha da qual depende o collegio sacro formado de vinte e quatro prelados. Para tornar mais notavel a similhança d'esta corporação com a de Roma, os paramentos do Patriarcha em dias festivos eram eguaes aos do Papa, e as dos prelados como as dos Cardeaes. As festas e cerimonias religiosas, não eram eguaes, mas sim superiores ás de Roma. «Mais de cem clerigos, diz m. Smith, subsidiarios a quem com profusão se davam honras e dignidades occupavam logares subordinados a esta nova instituição. Uma escala infinita de logares inferiores augmentou o pessoal do Patriarchado a ponto de ser impossivel dizer-se qual a condicção em que se sumia o ultimo d'esta legião clerical! Esta louca vaidade custou mais de oitenta mil libras afóra as pasmosas quantias que se despenderam antes de conseguirem a licença para a incorporação do estabelecimento. Foi desde então que D. João V alcançou para os reis de Portugal o titulo de Fidelissimo

Uma obra porém de grande merito, de reconhecida utilidade, e de grandeza sem igual foi a que se principiou e concluiu n'este mesmo reinado de esbanjamentos e desperdicios; só ella confere um titulo de gloria ao rei que a ordenou e fez levar a cabo. Refiro-me ao aqueducto das aguas livres de Lisboa, que percorre duas leguas ora subterraneo, ora elevando-se sobre arcos. Por cima do valle de Alcantara corre sobre trinta e cinco arcos, sendo a altura do maior 264 pés, e a sua largura na base de 280. Dois canaes trazem a agua das nascentes, deixando entre ambos espaço e altura para caminhar de pé. D. João V não morreu sem que expiasse por espaço de nove annos n'um triste estado de imbecilidade os passados extravios, e deixou a nação sobrecarregada com uma divida de mais de tres milhões de libras e o thesouro completamente exaurido. Seu filho D. José vivera sempre muito arredado dos actos do governo; contava então 37 annos, e muita gente o retracta de acanhada intelligencia, irresoluto, timido, fraco e cruel. Nada o comprova, antes maravilha a firmesa com que sustentou no poder o seu ministro, a despeito da sua mesma familia, de toda a nobresa e de um clero opulento e dominador, unico homem capaz de dominar a triste situação em que tantos desvarios nos lançaram.

Por morte de D. João V não ficara a Portugal nenhum elemento de que se julgasse dever sair a sua regeneração. Tudo parecia impellir o reino a uma aniquilação inevitavel, mas foi n'essa occasião que surgiu um regenerador, um genio benefico, forte, energico, e sabio, que levara os primeiros annos da sua vida estudando os males e as causas d'elles e procurando os remedios na sua fecunda{14} imaginação. Foi elle que com poder quasi sobrehumano veio, inspirado e inviado da Providencia para desmascarar hypocrisias, para salvar mesmo a religião de todas as atrocidades que em nome de um Deus todo bondade e misericordia se praticava impunemente, para destruir esse poder execrando do horrivel tribunal da Inquisição, do chamado Santo Officio, que sequestrava á sociedade milhares de victimas innocentes, ou culpadas de um crime que a sã rasão mostra não o ser.

Esse homem a quem tanto se deve, foi quem veio restabelecer a verdadeira religião, porque é a de Christo, a religião de perdão, caridade, amor e fraternidade, purgando-a quanto possivel dos abusos que em seu nome se praticavam; foi elle quem veio introduzir no paiz novos estudos, quem estendeu o pão do espirito a todas as classes da sociedade creando escolas, quem promoveu as industrias, sciencias, litteratura, quem veio animar e desenvolver o commercio e as artes, revindicar o respeito e o renome ao seu paiz; reanimar o genio, acabar com os abusos dos nobres dando mesmo terriveis mas salutares exemplos na nobreza, castigando o crime onde era praticado, fosse plebeu ou nobre, como o fizera tambem Richelieu, seu modelo, nas pessoas de Marillac e Montmarency, foi emfim elle que, ora com benevolencia, ora com severidade, ergueu a patria do abysmo onde filhos degenerados a haviam lançado.

Sebastião José de Carvalho e Mello nascera na capital aos 13 maio de 1699; filho de Manuel de Carvalho e Athayde e de sua mulher D. Thereza de Mendonça. Seu pae era um cavalleiro de pequinissima fortuna, mas que vivia independente e pertencia á cathegoria distincta pelo titulo de fidalgo da provincia. Esta qualidade dava-lhe direito a muitos privilegios da nobreza, ainda que não considerado grande do reino ao que só dava direito os titulos de conde, marquez ou duque. Sebastião José de Carvalho juntou o appelido de Mello; que lhe vinha de seu avô materno, João de Almeida e Mello; costume muito seguido então, principalmente quando, como este, vinham de illustre ascendencia. Tinha mais dois irmãos; Francisco Xavier de Mendonça e Paulo de Carvalho e Mendonça. Sebastião José de Carvalho entrou na universidade de Coimbra, mas aquelle regimen pouco lhe agradou; e menos a forma porque alli se ministrava então o ensino sobre modo differente para uma intelligencia previligiada como a sua. Descontente deixou os bancos da Universidade para assentar praça em cadete, a que lhe dava direito a sua nobreza, e pouco depois fizeram-n'o cabo. Não passou d'esse posto; e elle desgostoso deixou a cazerna como deixára Coimbra. Viu-se outra vez sem occupação, o seu genio activo e investigador lançou-o em estudos sobre economia politica, historia{15} universal, legislação e todos os ramos em que mais tarde o seu genio sublime devia manifestar-se. Veio então a Lisboa, chamado por um tio que muito o recommendava ao Cardeal da Motta, ministro omnipotente n'essa epocha. O Cardeal, homem esclarecido, viu logo o partido que se podia tirar de tão notavel aptidão e apresentou-o ao rei, que o tratou como a quem vinha tão bem recommendado. O rei admirou o talento e variada illustração que em tão verdes annos se manifestava no mancebo, e pouco depois em 1733 nomeou-o membro da Academia Real de Historia com a mira em que elle lhe escrevesse a historia de varios monarchas, cujos reinados fossem mais dignos de tão habil historiador. Negocios porem importantes e que reclamavam immediato desempenho, não permittiram que satisfizesse o encargo com que o rei o distinguira; as vistas da côrte estavam fixas n'elle, o rei distinguia-o e protegia-o e conseguio attrahir a attenção de uma joven viuva D. Thereza de Noronha senhora de muitas virtudes e de illustre nascimento que era sobrinha do Conde dos Arcos. Parece porem que este enlace foi combatido, e que a despeito de seus merecimentos e da protecção regia, não foi sem custo que logrou fazer emmudecer os que desaprovavam a desejada alliança, sob pretexto de quem não tivera nos seus ascendentes grandes do reino, embora fosse de illustre nascimento. Já então deveu á sua energia o conseguir a realisação dos mais ardentes votos do seu coração. Depois as suas ambições voltaram-se para alcançar emprego em que bem servindo a patria conseguisse posição brilhante, e na qual utilizasse as suas faculdades e aptidões. O acaso serviu-o a seu contento com a necessidade que obrigou o rei a mandal-o a Londres como embaixador. Foi então que se principiou a manifestar a todos a vastidão dos seus recursos intelectuaes e o muito que havia a esperar de tão acrisolado amor da patria e de tão grande genio. Todo o tempo que desempenhou em Londres o cargo de representante de Portugal não cessou de velar pelos interesses que lhe estavam confiados, alcançando muitos privilegios para os portuguezes alli residentes, fazendo desapparecer todos os vexames que antes soffriam, conseguiu para o seu governo o direito de prender e castigar os delinquentes inglezes em territorio portuguez, tendo elles de subjeitar-se ás nossas leis. Quando um seu medico foi preso por um collector, apesar do Acto do Parlamento de 1709, que prohibia o prender-se nenhum embaixador ou pessoa ao seu serviço, fez com que lhe fosse dada satisfação d'um insulto feito a um seu empregado, affirmando assim os direitos que os outros pretendiam desconhecer, e fazendo respeitar a nação que representava e definindo os previlegios dos ministros estrangeiros.{16}

Conseguiu para os portuguezes residentes em Londres a reciprocidade na isenção de impostos.

Em 1739 reclamou queixando-se da penhora feita em generos que pertenciam a Bento de Magalhães, negociante portuguez, como violação dos tractados existentes entre as duas nações, tractados que davam tambem aos inglezes aqui residentes as mesmas regallias. O duque de Newcastle em 20 de novembro respondeu o que se segue: Sua Magestade Britanica sendo informado de que os vassallos de S. M. Fidelissima que residem em Inglaterra teem sido sobrecarregados e obrigados ao pagamento de impostos publicos e parochiaes, que foram lançados por Acto do Parlamento a todos os habitantes indistinctamente; ordenou-me que vos participasse, ainda que em virtude da natureza e forma do nosso governo, não cabe na alçada do rei isentar ninguem em particular do pagamento dos impostos lançados por Acto Parlamentar, não só seria nova, mas sujeita a grande debate e inconveniencia: comtudo, para dar a S. M. Fidellissima uma prova da amizade e consideração em que a tem S. M. Britanica, e para que os subditos de Portugal que residem em Inglaterra fiquem descançados de que não serão incommodados por causa de quasquer impostos parrochiaes ou outros que, em virtude de Acto Parlamentar, sejam pagos pelos habitantes em geral, faz saber que todos esses impostos lhes ficarão descarregados, sem que por causa d'elles soffram multas ou penas algumas. Mais tarde por occasião de ser queimada nas aguas do Algarve pelos inglezes uma esquadra franceza, escreve elle a lord Chatam pedindo-lhe satisfação, as seguintes cartas:

«Eu sei que o vosso Gabinete tem tomado um imperio immenso sobre o nosso: mas tambem sei que é tempo de acabar com elle. Se meus predecessores tiveram a fraqueza de vos conceder tudo que quizestes, eu nunca vos concederei senão o que vos devo. É esta a minha ultima resolução: regulae-vos por ella.»

Conde de Oeiras.

 

A segunda é como se segue:

«Eu rogo a V. Ex.ª que me não faça lembrar das condescendencias que o governo Portuguez ha tido com o governo Britanico, ellas são taes, que não sei que potencia alguma as haja tido similhantes com outra. Era justo que essa authoridade acabasse alguma vez, e que se fizesse saber á Europa que tinhamos sacudido um jugo estrangeiro. Não o podemos melhor provar do que pedindo ao vosso governo uma satisfação que por nenhum direito nos deve negar. A{17} França nos consideraria no estado de maior fraqueza se lhe não dessemos alguma razão do estrago que soffreu a sua esquadra em as nossas costas maritimas, onde por todos os principios se devia julgar em segurança.»

Conde de Oeiras.

 

A terceira carta é tão longa que me não resolvo a copial-a toda, basta dizer que em resultado de todas as rasões e justas arguições que terminam assim:

«A satisfação que vos peço é conforme com o direito das gentes. Succede todos os dias que os officiaes de mar, e terra façam por zelo ou por ignorancia o que não deviam fazer, é portanto a nós que nos pertence o puni-los, e fazer emendar e remediar os damnos que elles teem causado. Nem se deve julgar que estas reparações fiquem mal ao estado que as faz: ao contrario, sempre é bem mais estimada aquella nação que de boamente se presta a fazer o que é justo.

«Da bôa opinião dependeu sempre a força das Nações.»

Conde de Oeiras.

 

O rei de Inglaterra mandou um Embaixador extraordinario a Lisboa dar as satisfações pedidas.

Foi tambem Pombal que alcançou pela sua habil diplomacia que os ministros estrangeiros em Londres podessem importar todos os moveis, roupas, vinhos etc. sem pagamento de direitos. Durante a sua estada em Londres estudou constantemente e foi alli que bebeu a longos tragos, essa sciencia que devia fazer d'elle um modelo. Sully, Colbert e Richelieu foram as suas fontes e com elles se identificou sendo Sully o principal objecto, segundo diz mr. Smith, da sua veneração e estudo, podendo os maiores enthusiastas d'esse grande vulto comparal-o sem receio ao seu prototypo. Em 1745 voltou Pombal á patria, parece que a seu pedido, em consequencia do edito promulgado contra os papistas. Voltando a Portugal não teve logo em que occupar a sua actividade e voltou as suas vistas pava os abusos que via praticar por toda a parte; estudou-lhe as causas e foi amadurecendo os seus projectos de futuro, para destruir o mal que reinava em todos os ramos de administração publica. Comprehendeu que só medidas sabia e prudentemente empregadas poderiam levantar a nação da decadencia em que caira; que a falta não vinha dos povos mas do governo, que só instruindo e não corrompendo, ensinando e não conservando na inercia e derigindo o povo para a regeneração pela instrucção e pelo trabalho,{18} poderia conseguir erguer o reino á grandesa que ambicionava. Era pois myster dar trabalho a todas as classes, occupar os braços e o espirito do povo, dando a cada um a protecção a que tinha direito dando assim ao governo cidadãos uteis.

O paiz estava devastado pelos ladrões, as leis eram lettra morta, a prepotencia espalhada por toda a parte, o povo desmoralisado, o commercio e a industria aniquilados.

Quando estava absorvido por todas estas idéas, suscitou-se entre Benedicto XIV e a imperatriz Maria Thereza, senhora tão celebre pelas suas virtudes como pela variedade da instrucção que lhe adornava o espirito, uma desintelligencia a respeito da extincção do patriarchado da Aquileia, desintelligencia que promettia serias consequencias como quasi todas as que tem havido com a Santa Sé, por tenderem quasi sempre, não só a separarem-se da egreja, mas ao aniquilamento da fé catholica. A imperatriz confiava na capacidade de Pombal, e só da sua probidade, são juizo e penetração, esperava uma solução digna, equitativa e justa.

Conhecida a sua competencia e provavelmente a pedido da imperatriz que conhecia a sua capacidade, foi Pombal enviado a Vienna como embaixador, onde conseguiu arranjar tudo a contento de todos, firmando-se na justiça, equidade e justos direitos de cada um.

Uma carta encontrada em Paris, no archivo da secretaria dos negocios estrangeiros, dá a medida do apreço em que eram tidas pelos diplomatas estranhos as eminentes qualidades do illustre estadista; apreciação que não póde deixar de ser imparcial e justa por que a elevada posição official do Embaixador em Vienna lhe dava mil occasiões de estar em contacto com o Marquez de Pombal; transcrevo pois na integra o alludido documento alli encontrado com o titulo de: Correspondencias d'Austria, n.º 244 despacho de M. Blondel, ministro de França em Vienna, dirigido ao governo austriaco e datado de 10 de janeiro de 1750.—«M. Carvalho foi por muito tempo Embaixador de Portugal em Londres, d'onde o rei seu amo o fez sair para o collocar aqui, no intento de que empregasse a sua influencia para restabelecer a harmonia entre esta côrte e a de Roma. O ministro foi egualmente encarregado de fazer readquirir ao eleitor de Mayence as boas graças e a affeição do Papa.

«N'estes dois negocios deu elle provas da sua habilidade, da sua sabedoria, integridade, moderação e sobretudo de muita paciencia, e alcançou não só a benevolencia de todos os interessados, mas tambem a de todos os ministros estrangeiros, e das pessoas de consideração de Vienna.

«M. Carvalho é nobre em tudo, sem ostestação, cordato e prudente; replecto de principios e sentimentos de honra, não visa{19} senão ao bem geral; e eu sei que não foi por culpa d'elle que a imperatriz não chegou mais cedo a sentimentos pacificos. É tão bom cidadão como homem probo, e a sua partida foi sentida tanto pela côrte como pela cidade. Tem approximadamente de cincoenta a cincoenta e cinco annos e casou em Vienna com a filha do General Daun.» Esta é a traducção do despacho francez, documento insuspeito de parcialidade, por isso que os francezes não são prodigos de louvores para os estranhos.

Veio pois em 1750 para Lisboa, pouco antes da morte de D. João V. Logo que subiu ao throno D. José I, Pombal tomou posse da pasta que já lhe fôra destinada, principiando então a tomar parte no governo com o saber e energia que só um athleta privilegiado poderia desinvolver. A restricção dos poderes da Inquisição, o desapparecimento dos ladrões que infestavam as ruas da capital, a organização interna do servico do paço, que era uma especie de pinhal D'Azambuja, onde todos roubavam, reduzindo os empregados de oitenta a vinte, fiscalisando os gastos da ucharia, descendo a todas as minucias e occupando-se de tudo com egual proficiencia.

Desde que conseguiu organisar a administração interna do reino voltou as suas vistas para as possessões de Além-mar, onde tudo chegára á ultima miseria.

Para ligar os interesses dos colonos aos dos indigenas, prohibiu a vinda das donzellas ricas do Brazil, que para aqui vinham encerrar-se nos conventos, prejudicando assim o augmento da população; e promoveu cazamentos com os mancebos do paiz, por meio de dotes e augmento de interesses de varias especies; promoveu o commercio com a Asia e particularmente com a China, e aconselhou ao rei a humanitaria medida da emancipação dos indios das provincias do Pará e Maranhão, tornando-os livres, subtrahindo-os á exploração dos colonos europeus, e buscando os meios de os civilisar. Os negros de Africa não obtiveram o mesmo beneficio, pelo seu abatimento e conveniencias politicas que por então o impediram. Como já disse, aos portuguezes que casavam com donzellas indigenas eram concedidas certas franquias. Em seguida ao decreto que emancipava os indios, assignou o rei outro, fundindo as duas companhias Maranhão e Grão Pará. Esta medida veio dar novo incremento á classe do commercio entre Portugal e as colonias da America, tomando estas um novo aspecto.

A aristocracia tremia de raiva vendo coartarem-lhe a preponderancia de donatarios: o os jezuitas previam que os seus excessos tinham encontrado um moderador que lhe refreiasse as demasias. Colligavam-se e conspiravam com a nobreza vendo n'isto o unico meio de combater o seu commum inimigo; mas Sebastião José de{20} Carvalho formára os seus projectos que seguiu sempre com tenacidade indomavel e soube de tal modo captar a confiança de D. José, que este surdo a todas as insinuações disfarçadas e a todas as invectivas francas, continuou a sustentar e seu ministro que em breve tinha de prestar-lhe ainda maiores serviços. No primeiro de novembro de 1755 soffreu Lisboa o horrivel cataclismo do terramoto. A capital ficou quasi destruida e, a sua população, parte ficou morta, outra ferida, e a restante aterrada pela espantosa catastrophe. O mal, já de si grande, não veio só. Seguiu-o o triste cortejo das suas inevitaveis consequencias; no meio, porém, de tão grandes horrores, o Marquez de Pombal impassivel e inalteravel, multiplicava-se, por assim dizer, apparecendo em toda a parte onde a sua presença fosse necessaria, soccorrendo por todos os meios possiveis as victimas e prestando auxilio com disvellada sollicitude. Os decretos, as ordens e as providencias succediam-se sem interrupção, e todas patenteavam exuberantemente a aptidão d'esse homem a quem nenhuma desgraça conseguia aterrar, a quem, por maior que fosse o mal, não faltava a lucidez do espirito para lhe encontrar o remedio. A catastrophe teve logar ás 9 horas e alguns minutos da manhã: o dia apparecera risonho e sereno; nunca o ceu se mostrara tão limpo de nuvens, nunca o Tejo ostentára mais transparentes as suas aguas que nem uma leve aragem o agitava; a natureza parecia repousar; tudo respirava socego e confiança; tudo parecia prometter segurança e tranquilidade. Bastaram porém alguns minutos para transformar em desesperação, horror, miseria e espanto esse risonho quadro! Parecia que todas as furias do inferno haviam conseguido escapar-se e se tinham espalhado sobre a terra pouco antes tão mimosa, e caído raivosas sobre a desditosa Lisboa, trazendo após si o terramoto, o roubo, o assassinio, o incendio e toda a sorte de calamidades. Era dia de Todos os Santos, o povo da capital corria para as egrejas para ouvir missa. Os templos estavam brilhantemente illuminados e mal poderia suppôr-se que essa cidade tão casquilha e tão vaidosa da sua belleza, seria dentro em pouco um montão de ruinas e de cadaveres. O primeiro abalo foi precedido por um ruido subterraneo por toda a cidade: a principio debilmente, depois cada vez mais forte e com uma continuidade medonha. A terra gemia surdamente, e todos escutavam tranzidos do susto esse desconhecido rumor. De repente, o solo abriu-se, as casas desappareceram, uma nuvem de pó ergueu-se ao ceu, e um concerto de gritos e lamentos fez-se ouvir de todos os lados! A dôr e o desespero foram indiscriptiveis. O Tejo revolto, medonho, crescendo e saindo do seu leito, parecia ameaçar engulir o que o fogo poupára. De um lado a destruição pelo incendio, do outro um inimigo não menos terrivel ameaçando com{21} o diluvio; por toda a parte um espectaculo nunca visto; horrivel tragedia composta de milhões de tragedias! Diz algures um escriptor que: «Parecia que Deus quizera vingar n'um só dia os crimes de muitos seculos.» Por toda a parte se via o restante da população da capital com lagrimas nos olhos e physionomias onde se pintava o mais cruel desespero, gritos agudos, de mulheres, de creanças e dos moribundos, extorcendo-se nas chammas ou sob as minas. Era espantoso! A tantos males succedeu-se outro, que veio completar a destruição: os que não tinham ficado sepultados gritavam, impelliam-se, imploravam a misericordia do ceu recitando orações que novo desabamento vinha cortar, ou novas fendas abertas sob seus passos faziam calar ingulindo-os. Os que fugiam para as margens do, antes tão formoso Tejo, esperando achar alli abrigo, deparavam com um quadro tão medonho como aquelle a que se esquivavam. Em consequencia dos grandes abalos de terra o rio estava terrivel, bramindo revolto em violenta agitação; em alguns minutos tornara-se n'uma corrente furiosa, que subira desmedidamente, e que arrastava depois comsigo quanto se lhe deparava. Os navios, mesmo os de grande lotação, submergiam-se; outros, não podendo resistir ao impeto das vagas alterosas que lhe despedaçavam as amarras, iam desapparecer em vertiginoso redopio nos medonhos sorvedouros, ou eram arremessados uns contra os outros pelas iradas ondas e se despedaçavam! Para completar este quadro estupendo em que todos haviam tido farto quinhão de desventura e em que se não sabia quem mais se lastimasse, se os que haviam perdido a vida, se os que tinham perdido quanto lh'a fazia amar. Começou a apparecer fogo em differentes sitios da cidade e que lavrando com incrivel rapidez veio completar a obra de destruição. Quantos horrores aguardavam os que sobreviveram! quantas dôres! quantas mães loucas sem saber que fôra feito dos filhos que estremeciam! quantos filhos procuravam anciosos os paes, quantos maridos e esposas procurando os consortes, quantos pezares, quantos corações despedaçados, quanto desespero! Entre os magnificos edificios destruidos, conta-se a magnifica Patriarchal de D. João V, o Paço real, a egreja de Santo Antonio, os palacios dos tribunaes, ministerios, arsenal, casa da India, alfandega, a vedoria, a Opera e os palacios de Lafões, Aveiro, Cadaval, Marialva, Tavora, Fronteira, Valença e Louriçal, as bibliothecas real e a de Lafões, a do convento de S. Domingos, a do Marquez de Louriçal, a de Monseigneur Magalhães, e a do Inquisidor Simão José. Não se poude saber ao certo o numero de mortos, mas foi avaliado em mais de dez mil. Todavia alli onde tudo tremia e vacilava, via-se um só homem impassivel e forte, era o Marquez de Pombal.{22}

No meio d'estes horrores as prisões abertas deram saida aos malfeitores que recuperando a perdida liberdade se lançaram como lobos famintos sobre a desditosa cidade, levando comsigo a violencia, o roubo, a embriaguez, cevando emfim a completa satisfação de todos os appetites brutaes. Diz o sr. Smith no seu livro d'onde tenho extrahido grande parte do que escrevo:—«Para corroborar os factos de que trato, fiz o extracto de varias correspondencias do ministro inglez em Lisboa, que não deixarão de interessar o leitor não só pela incontestavel authenticidade, mas tambem porque n'elles se encontram circunstancias que nunca foram publicadas. O seguinte é d'uma correspondencia de 6 de novembro de 1755, onde se acha uma descripção viva e graphica d'aquelle infausto successo.—«A perda do meu bom e digno amigo o embaixador hespanhol, que ficou esmagado á porta de sua casa, quando tentava escapar-se para a rua, junta á dôr que ha cinco dias me causam as tristes noticias, que a cada passo nos trazem relativamente á sorte de uma ou de outra pessoa do nosso conhecimento pertencente á nobreza, a qual, pela maior parte, se acha inteiramente arruinada, tem-me seriamente sensibilisado; mas o que sobre tudo me afflige é a sorte dos desgraçados subditos de S. M. Britannica, da classe inferior, que de todos os lados affluem a minha casa pedindo-me pão, e andam espalhados por todo o meu jardim com mulheres e filhos; até agora não tenho deixado de soccorrer a todos, e continual-o-hei a fazer em quanto me não faltarem os meios, o que espero não succederá, attendendo ás convenientes medidas que o sr. Carvalho para isso tem tomado. Tem-se dado as melhores providencias possiveis para impedir o roubo e o assassinato de que ha tres dias tem havido frequentes casos, vagueando pela cidade turbas de desertores hespanhoes que se valem da occasião para commetterem taes delictos. Tendo-me sido confiadas consideraveis quantias que alguns inglezes que tiveram a felicidade de salvar parte de seus bens, depositaram em minha casa, pelo que tive em toda a noite a casa cercada de ladrões, escrevi esta manhã ao sr. Carvalho pedindo-lhe uma guarda, o que espero me será concedido.»

Uma outra do mesmo ministro, de 15 do mesmo mez, refere as seguintes particularidades:—«O primeiro abalo começou pelas dez horas menos um quarto da manhã, e, tanto quanto pude julgar, durou seis ou sete minutos; depois succedeu-se um intervallo de cerca de cinco minutos antes do segundo, que durou uns tres minutos, pouco mais ou menos; de sorte que n'um quarto de hora foi esta grande cidade convertida em ruinas. Em seguida rebentaram muitos incendios, que no espaço de cinco ou seis dias consumiram todos os generos e outras cousas. Parece que a força do{23} terremoto teve a sua séde mesmo no centro de Lisboa, por que os prejuizos não são tão consideraveis para qualquer dos lados. Julga-se que partiu do caes que se estende da alfandega até ao Paço, que desabou, e se sumiu completamente, submergindo-se alguns barcos tambem ao mesmo tempo. As aguas subiram de vinte a trinta pés, e desceram outro tanto com intervallos, segundo me contaram.» (Isto parece dar rasão a crer-se que no leito do rio se fizeram as mesmas fendas e abysmos, o que explica as alternativas da agua subindo e baixando repentinamente). «Não foi só Lisboa que soffreu os estragos do terremoto, por que se estenderam a outras terras do reino (e tambem da Europa) principalmente a Setubal e ao Algarve, onde foram bem sensiveis. Calcula-se que só em Lisboa foram victimas d'aquella calamidade trinta mil pessoas, que pereceram umas queimadas, outras afogadas, ou sepultadas nas ruinas.»

Em outra carta datada de 19 do mesmo mez mr. Castres diz para o seu governo que D. José tinha ido com toda a sua côrte habitar em barracas de lona n'uma quinta, e que a malfadada nação estivera em eminente perigo de ser presa da peste e da fome, e conclue louvando o zeloso procedimento de Pombal, que de dia e de noute se mostrava infatigavel em empregar todos os remedios que a miseria geral pedia. Transcrevemos ainda a seguinte passagem por me parecer de maior interesse:—«Como os abalos não cessaram inteiramente desde o primeiro dia da nossa desventura, a côrte com pouco mais de dois terços da sua população continua ainda a acampar nos campos e quintas d'estas paragens. Os predios que ainda se vêem de pé, na cidade e na extensão de algumas leguas nas suas visinhanças, estão realmente, pela sua maior parte, n'um estado tão deploravel, que será custoso encontrar um entre cincoenta, que possa resistir ao inverno, ainda que sustentado por espeques.» Facilmente se deprehende qual seria a continua perplexidade que a todos dominava, pelo que ainda em 13 de dezembro em outra correspondencia diz mr. Castres:—«Já lá vão quarenta dias desde que sobreveio o grande terremoto, e com tudo raro tem sido o dia que se tenha passado sem se renovarem os nossos sustos, sendo os repetidos tremores quasi sempre acompanhados de tão fortes abalos de vez em quando, e com especialidade na noute passada, que obrigaram a fugir, quasi nús, para o descampado, com grande perigo de vida, n'uma estação tão rigorosa como esta, não só os que haviam começado a habitar os aposentos inferiores dos predios, que ainda se achavam de pé, mas aquella gente mesmo que se abrigára em barracas. Entretanto o sr. Carvalho, que parece possuir a confiança absoluta do rei seu amo, não descança um{24} instante em dar todas as providencias para que n'esta cidade de ruinas não escasseem os mantimentos; para obrigar toda a classe de operarios que affluiram das terras mais remotas do reino, a voltar ás differentes occupações, e para pôr cobro aos muitos roubos, que inevitavelmente succedem em epochas de tanta desordem como esta, principalmente em logar tão exposto como este.»—Por muito tempo o susto e o terror se conservaram na desditosa cidade, onde ainda em 16 de janeiro seguinte se sentiu um violento abalo.

A desgraça que ferira Portugal inspirou o mais vivo e caritativo interesse a toda a Europa, e todos os governos nos mandaram offerecer os seus bons auxilios. De Inglaterra mandou Jorge II 97:200 libras entre generos e dinheiro. S. M. Catholica e S. M. Christianissima offereceram soccorros de toda a especie que o ministro dispensou. O rei de Hespanha que perdera no terremoto o seu embaixador, não desprezou meio algum para fazer acceitar o seu auxilio ao governo portuguez, e para isso ordenou á alfandega de Badajoz, que deixasse passar livre de direitos todos os generos exportados para Portugal.

Luiz XV tambem foi em extremo delicado comnosco; e não quiz que o conde de Bachiseu, embaixador em Lisboa, saisse d'aqui em crise tão dolorosa e na qual, dizia o ministro Rouillé, era necessario patentear a S. M. Fidelissima por meio da assiduidade e auxilios a parte que o rei de França tomava nas desgraças que opprimiam Portugal. O rei D. José foi bastante sensivel a todas estas provas de affeição dos seus alliados, mas não acceitou as suas offertas. Quando Luiz XV ouviu dizer que se acceitára o soccorro de Inglaterra encarregou o Embaixador de saber a verdade, e eis a carta que este diplomata escreveu a Carvalho e Mello:

«Ce n'est pas le dépit, dit-il, qui me fait demander s'il est vrai que S. M. Très-Fidèle ait accepté les offres de S. M. Britannique mais l'esperance que conserve S. M. Très-Christiènne que ses offres pourront egalement être acceptées.»

Carvalho respondeu que:—«O rei seu amo teria acceitado reconhecido os offerecimentos generosos dos seus alliados, se tivesse sido necessario, que as perdas que Portugal acabava de experimentar eram grandes, mas que em geral só atacavam o luxo. Que no futuro haveria em Lisboa menos palacios, menos quadros, menos moveis ricos e que isso seria o meio de fazer voltar a nação á sua antiga simplicidade. Que as terras seriam agora mais bem agricultadas pelos fidalgos, que Deus seria adorado com mais fervor nos seus templos despojados das pompas, e que a riqueza publica se augmentaria, e as finanças melhorariam de situação.» Esta resposta pareceria um pouco grosseira e vaidosa se nos não lembrassemos{25} de que a França tinha em vista alcançar em troca dos seus beneficios a cessão do commercio do Brazil que receiava ver em poder da Inglaterra. O ministro dos Negocios Estrangeiros em França, mr. Rouillé, achou esta resposta digna de um philosopho e de um estadista abalisado, ainda que convencido, dizia elle, de que os factos nunca realisariam os desejos e previsões de Carvalho.

Se os auxilios de Jorge II foram acceites é porque a Inglaterra em vez de fazer polidos offerecimentos, votou por unanimidade uma verba de cem mil libras destinadas a trazer soccorros a Portugal, e em vez de lh'os oferecerem, mandou-os directamente ao ministro.

Os serviços pois d'este ministro e grande estadista, iam já de foz-em-fora.

O facto é que os prejuisos eram enormes e diz-se que superiores a 7 milhões de libras, apezar de que muita cousa se foi desenterrando e encontrando graças ás sabias e previdentes medidas tomadas por Pombal. Das grandes riquezas suterradas na Patriarchal, foi achada a cruz de prata, estimada em 30:000 libras. D'essas e de outras ruinas desenterraram-se pelo tempo adiante, 1:500 arrobas de prata. O rei e sua familia, estava no Paço de Belem, na occasião do terremoto, e felizmente nada soffreram alem do grande susto, e a dôr de presensiar tanta desgraça. Quando chegou o ministro para offerecer ao rei, as consolações e serviços que pedia a situação, achou todos em lagrimas, e o rei derigindo-se-lhe perguntou-lhe que julgava elle a proposito fazer-se para minorar e attenuar tanta desventura?—«Meu Senhor, enterrar os mortos, e cuidar dos vivos.» Foi a resposta concisa, que com toda a serenidade deu o Marquez de Pombal, resposta que elle mostrou não ser uma bravata oca, e que executou com extraordinaria energia. Desde então, D. José que sempre tivera pelo seu ministro sympathia e consideração, reconheceu n'elle um espirito previlegiado, e superior, e cencedeu-lhe sempre inalteravel affecto, e até respeito. O ministro saiu de Belem, correu a Lisboa e aqui partilhando todos os perigos e dando remedio a tudo que o tinha, não se apeiava da sua sege, dia e noute, apparecia em toda a parte, e a sua serenidade e coragem, a sua figura nobre e a sua tranquilidade no meio de tanta tribulação, impunham o respeito e a admiração, e incutiam animo aos que o observavam. Aonde fosse necessaria a sua presença, lá estava; mesmo dentro da sua sege, expedia correios com ordens para toda a parte, em menos tempo do que se emprega, em elaborar um só decreto, lavrou elle mais de duzentas providencias, umas para conservação da ordem, outras para a distribuição dos mantimentos, para enterrar os mortos, para dar casa aos que vagueavam sem tecto, outras para remover e tratar dos feridos e doentes, outras finalmente{26} para evitar a saida dos roubos para fóra da cidade onde seria mais facil rehavelos, prohibindo a saida de qualquer que não fosse portador de salvo-conducto. Eis as medidas mais notaveis e que na conjunctura promulgou: A D. Rodrigo Antonio de Noronha.

«Sua Magestade é servido ordenar que V. S.ª mande armar as lanchas, barcos ou escaleres, que parecerem necessarios, para rondar o rio de Lisboa, visitando n'elles, todos quantos botes, lanchas, ou barcos, sairem dos navios estrangeiros, ou para elles forem, por constar que levam os impios e sacrilegos roubos, que se teem comettido em casas e Igrejas: e como para ellas pode faltar gente militar, se pode V. S.ª valer das Ordenanças, e Auxiliares; e da Tenencia que se acha aberta, poderão ser vistidos com uniformes, e armados as que se embarcarem para as ditas rondas. E para tudo o que a V. S.ª for preciso a este respeito, tem ordem do mesmo Senhor, o Ill.mo e Ex.mo Sr. Marquez, Estribeiro-mór. Aos commandantes das sobreditas rondas determinará V. S.ª que embarguem todas quantas embarcações, encontrarem de noite no rio, sem distinção, até amanhecer.

 

«Deus Guarde a V. S.ª Paço de Belem aos 4 de novembro de 1755.—Sebastião José de Carvalho e Mello.

 

«P. S. A referida visita se estenderá tambem aos navios Portuguezes que não forem de pessoas conhecidas e livres, de suspeitas.»

Outra para o Corregedor da comarca de Coimbra:

«Sendo presente a S. Magestade, que todos os creados de escada a baixo, gallegos, e homens de trabalho, que serviam na côrte, e suas visinhanças, tem desertado em tumulto, pela preoccupação, de que não haverá dinheiro para se lhe pagar, e outros para transportarem os muitos roubos, que teem feito com impiedade deshumana, abusando da calamidade que tem ferido a capital do Reino. É servido o mesmo sr. ordenar, que V. M.ce requerendo por este a todos os Ministros da Justica, e officiaes dos Auxiliares, e Ordenanças, e communicando-lhe irrimissivel perda dos seus postos, faça guardar as estradas, e barcas de passagem, de tal sorte, que nenhuma pessoa de qualquer qualidade e condição que seja, possa avançar o seu caminho e menos sair do reino, ou ainda d'entro d'elle, passar de uma a outra provincia, sem levar Passe. E sendo pessoa das profissões acima referidas, serão logo reconduzidas em levas á sua propria custa, de Villa em Villa, até que sejam entregues n'esta Côrte á ordem do Duque Regedor das Justiças. O que tudo V. M.ce executará continua, e successivamente, até que eu o avise{27} de que S. Magestade revogou esta ordem.—5 de novembro, de 1755. Deus Guarde etc.»

N'esta conformidade se escreveram circulares a todos os Corregedores das comarcas do reino.—Para o Marquez d'Abrantes:

«—Sua Magestade é servido que V. Ex.ª mande á ordem de D. Rodrigo A. de Noronha as embarcações que elle pedir, e couberem no aperto do tempo, para as visitas e transportes dos mantimentos que se acham a bordo dos navios ancorados n'este Porto; cujas deligencias o mesmo Senhor tem encarregado ao cuidado do mesmo D. Rodrigo de Noronha.—aos 4 de novembro de 1755—Deus Guarde a V. Ex.ª etc.—Sebastião José de Carvalho e Mello.»

Dirigidas a D. Rodrigo ha muitos, uns, para lhe ordenar que vá a bordo dos navios surtos no Tejo e apartar de todos os mantimentos encontrados a bordo, os indespensaveis para as equipagens, e fazer transportar e pôr em arrecadação as restantes com as avaliações dos preços communs, e ordinarios, que até então valiam. Outros, para que desse livre entrada ás pescarias, aviso ao Marquez de Alegrete para exercer toda a vigilancia e mandar fixar editaes para que os padeiros, tendeiros, artifices e todos os homens de ganhar não podessem vender os seus generos ou exigir preços superiores aos do mez de outubro antecedente, isto sob penas gravissimas caso infringissem a lei de 4 de novembro; aviso ao Duque Regedor ordenando-lhe que os ministros encarregados das inspecções dos Bairros mandem ao Presidente do Senado da Camara, as relações de todos os mantimentos, que descobrissem fosse onde fosse; 6 de novembro. Aviso ao Marquez Estribeiro-mór para pôr guardas aos Erarios Reaes; 2 de novembro. Aviso ao Marquez de Tancos com ordem de fazer passar á côrte, algumas tropas do Reino, para manter a ordem e socego publico.—3 de novembro.

Aviso ao Marquez de Alegrete, para fazer com que os ministros encarregados da inspeção dos bairros mandassem as relações dos mantimentos para as participar aos ministros encarregados de, no Terreiro do Paço e na Ribeira as distribuir ao povo;—12 de novembro.

Aviso ao Duque sobre o parecer de recolher os doentes no Hospital Real:—6 de novembro.

Aviso ao Estribeiro-mór, para fazer tirar das minas o corpo do Embaixador de Hespanha;—7 de novembro.

Ordem ao Duque Regedor, para chamar á sua presença os ministros da inspeção dos bairros, ordenando-lhe a prisão dos authores das suggestões, com apparencia de profecias, espalhadas por alguns malfeitores para aproveitarem o terror e cometterem livremente{27} roubos e crimes atrozes vendo a cidade desamparada de seus moradores;—Não tem data. Outra ordenando ao mesmo Duque que empregue nas obras da cidade os ciganos que a inquietavam. Officio ao Patriarcha pedindo-lhe a necessaria authorisação para que os cadaveres fossem, com todos os ritos da Igreja, levados em navios até fóra da Barra e alli deitados ao mar com pesos, a fim de evitar pela decomposição dos mortos uma ipedemia. Mandou tirar uma relação minuciosa dos officios e rendimentos de toda a gente, empregando-se no desentulho e obras, todos os que eram vagabundos ou vadios, dando-lhe salario e comer. Estas não são nem a decima parte das providencias tomadas pelo illustre ministro, mas são as que dos tres volumes que aqui tenho, e que contem todas me pareceram de maior interesse e menos longos. Parece impossivel como um só homem poude pensar em tanta cousa. Todavia apesar d'estas e todas as outras providencias com que o ministro procurou atacar e evitar os males e as suas consequencias, o arrojo era tanto que os malfeitores com licenciosidade inaudita não recuavam praticando á luz do dia toda a casta de infamias e levando o roubo, a violação e o assassinio a toda a parte onde podiam entrar, sendo necessario pôr guardas em todas as casas que pela sua abastança, e importancia lhe podia servir de alvo. Foi em consequencia d'este estado de cousas que o ministro fez proclamar a lei de Lynch. Todo o delinquente apanhado em flagrante era preso, processado e sentenciado no logar do crime e alli mesmo ficava enforcado para servir de lição a quem quizesse imital-os. Esta medida energica e indespensavel no calamitoso estado a que chegára a capital, pôz côbro nos attentados e os moradores da cidade poderam então dormir socegados confiando no vigilante cuidado de Carvalho e Mello.

Não eram só estes os negocios que absorviam a fecunda imaginação do ministro de D. José; tinha que defender-se dos inimigos que tudo aproveitavam para o atacar; tinha que defender as costas de Portugal, dos corsarios argelinos, que pretendiam approveitar do terror e da desordem que uma tal catastrophe espalhára e que não desperdiçavam, todas as occasiões para desembarcar, espalhando tambem o roubo e o terror. Em alguns dias, o ministro enterrara mortos, desenterrara vivos; fizera encher os fossos abertos pelo tremor, enterrando n'elles muitos cadaveres; mandára transportar os feridos e moribundos, para hospitaes que fizera preparar em varios sitios da cidade; nada faltava n'estes hospitaes provisorios; os medicos, os enfermeiros os remedios appareciam como por encanto ao contacto da varinha magica da sua energia sublime. No Paço, as princezas e suas criadas não descançavam em preparar ataduras e fios.{29}

Onde a caridade tanto tinha que fazer, nem todos os padres ficaram inactivos; muitos d'elles puseram-se ao trabalho com um zelo verdadeiramente evangelico; levavam aos hombros os mortos para os cimiterios; conduziam nos braços os feridos para os hospitaes, encommendavam uns, consolavam outros, e animavam os moribundos com caridade christã. Foi assim que essa caridade se ligou ao zelo do ministro activo e resoluto para attenuar tanta miseria. Mas infelizmente tambem houve alguns que em vez de seguirem o salutar exemplo de seus irmãos exercendo a sua nobre e caritativa missão, calcaram aos pés deveres, verdade, humanidade, e fraternidade, e lembraram-se de subir ao pulpito, a essa cadeira que só deve servir para prégar o amor e caridade, e atacar o rei e o seu ministro accusando-os a ambos de impiedade e incutindo no povo a persuasão de «que os peccados do rei e a heresia do ministro, eram a causa do tremendo castigo que Deus justamente irado fizera cair sobre o reino; que as desgraças de toda a sorte não cessariam de sobrevir sobre seus desgraçados povos, em quanto o rei não fizesse penitencia publica por seus muitos peccados.» A estes, alcançou-os a justiça: foram perseguidos e severamente castigados pelo intuito barbaro de quererem augmentar a má ventura da nação com dissensões intestinas, assim como os outros haviam sido louvados e premiados. Quanto mais o ministro redobrava de zelo e de actividade, tantos mais males appareciam reclamando a sua intervenção. Conseguira por meio de acertadissimas medidas evitar a peste; combateu a fome e venceu esse inimigo esqualido e medonho; conseguiu libertar a cidade dos ladrões que a infestavam todavia com quanto tivesse feito muito lhe faltava ainda que fazer para terminar a sua obra, Lisboa desapparecera, era necessario fazel-a renascer, como a phenix, das proprias cinzas. Foi para este lado que se voltaram todas as faculdades da sua provada intelligencia: fez lavrar um plano sob as suas idéas, corregiu-o, animou as construcções que principiaram logo, facilitou essas edificações por todos os meios; fixava prasos para se fazerem sob penna de expropriação: deixou livre a importação de todos os materiaes necessarios; auxiliou essas construcções por muitas consessões, garantias e privilegios, etc., que instigavam os constructures e capitalistas a empregarem o seu dinheiro, e assim procurou auxiliar e conseguiu a reedificação da desmantelada Lisboa.

O ministro de França em despacho, respondendo a pedido de informações para o seu governo, com respeito ao terramoto e suas consequencias, dizia: «que apesar de toda a boa vontade e grandes deligencias empregadas por M. Carvalho, reputava impossivel a ressurreição de Lisboa».{30}

Tinham de levar um solemne desmentido, felizmente, as previsões do Embaixador francez e Lisboa não só se ergueu do seu abatimento, mas ainda ao erguer-se se apresentou muito melhor do que era antes, surgindo mais formosa do que nunca fôra. Parecia que as chamas do incendio, e as lagrimas de seus filhos a tinham purificado, embellezado e fecundado o seu solo.

Para reedificar a capital eram indispensaveis sommas enormes; o ministro não tardou em encontrar os meios de as obter; fez brotar nos negociantes de Lisboa o pensamento de offerecer ao rei 4% sobre todas as mercadorias, offerta que elle tratou de fazer acceitar ao monarcha, lavrando logo o decreto de 2 de janeiro de 1756. Os consumidores é que soffreram com este imposto muito mais que os negociantes; isto era um verdadeiro imposto de consumo sobre os generos de primeira necessidade mas sem que a maior parte désse por isso elle adquiriu os meios para reidificar a cidade, infatigavel no seu zelo, e desejo de engrandecer a nação que lhe fôra berço, Sebastião José de Carvalho depois de neutralisar e remediar os males devidos ao tremor de terra, procurou desenvolver os recursos que se podiam tirar do paiz; riquezas não exploradas, e fontes de rendimento que até então tinham jazido na inercia.

A industria era tão nulla em Portugal como a agricultura, e todo o empenho do grande ministro era erguel-as do seu abatimento. Seguiu para a industria o exemplo do que fizera pela agricultura: o monopolio, privilegios e favores de toda a casta foram os seus agentes. Estabeleceu grande numero de fabricas ás quaes dispensou toda a sua protecção.

Promovendo a industria julgava poder conservar o ouro que nos vinha das colonias e obrigar os inglezes a comprarem a dinheiro os nossos vinhos que então eram trocados pelos seus artefactos. Nada deve admirar que o ministro illudido pelas ideias geralmente seguidas n'essa epocha em que se julgava que só o ouro era riqueza, procurasse conservar no paiz a maior porção possivel d'esse metal. Elle não tinha á sua disposição outros meios para conseguir desenvolver a industria, e se o decorrer dos annos tem ensinado outros, n'aquelle tempo não lembraram nem eram conhecidos, e o conde de Oeiras via-se a braços com mil difficuldades que elle, só, tinha de applanar, com mil urgencias a que só o seu genio poderoso podia obviar, e não podia por isso entregar-se a um estudo unico aturado que o fizesse encontrar a solução de problemas que só muito mais tarde se foram resolvendo. Muitas das industrias por elle patrocinadas nem mesmo eram conhecidas no paiz; a educação industrial não existia, e foi-lhe mister fazer vir alguns estrangeiros, para aqui estabelecerem fabricas, que seriam uma escola para o povo que ellas{31} empregassem; e para attrahir aqui, abandonando os seus lares, esses industriaes, era indispensavel offerecer-lhes interesses e protecção que os animasse ao sacrificio. Fabricas de sedas, de vidros, de botões, chapelarias, relojoarias, pannos, estamparias, serralharias, fundições, varias tecelagens, etc., receberam concessões e subvenções, para se desenvolverem e aclimatarem no paiz, foi tudo fructo da sua iniciativa e patriotismo. Imitador de Colbert chegou a ultrapassar o seu modello, e ninguem com justiça pode accusal-o, como o fazem alguns historiadores de proteger o monopolio, por isso que lhe não sobravam meios para, sem elle, conseguir o seu nobre empenho.

O desleixo dos governos occasionou a decadencia da industria, agricultura e artes a que tinha chegado o paiz.

Muitos accusam os tractados estabelecidos entre a Inglaterra e Portugal de ter causado essa decadencia, mas mudar-se-ha de opinião logo que se analyse os resultados que d'esses tractados colheu a agricultura, principalmente a dos vinhos, que deve aos contractos celebrados pelo conde d'Oeiras com a Inglaterra, e á creação da Companhia do Alto Douro, o seu progressivo desenvolvimento. Ha quem ataque rudemente essa medida do previdente ministro, mas a meu vêr difficil seria na occasião lançar mão do meio que desse tão proficuos resultados, e se a Inglaterra lucrou muito com isso não fez mais do que approveitar a inepcia dos nossos governos, o que poderia ter feito outra qualquer nação e em condições talvez mais onerosas para nós, e não se obrigando, como elles, a receberem os nossos productos e a comprarem-nos ou trocarem pelos nossos vinhos, com exclusão dos de outra qualquer nação, os seus generos e manufacturas. Apesar da rudeza e altivez com que o sabio ministro respondeu por vezes ás exigencias do gabinete Britanico, quando sentia da sua parte a rasão e a justiça nem por isso deixou de empregar todos os esforços para conservar inalteraveis as relações affectuosas entre os dois gabinetes. A verdadeira causa depois da decadencia do reino foi a sua riqueza colonial, a imigração, a sêde do ouro, a falta de braços e a inacção dos governos e não a Inglaterra em absoluto. Vejamos o que a esse respeito diz o proprio Marquez:

—«As minas de ouro. Vêde qual é, ha sessenta annos a unica fonte das riquezas de Portugal. Não é necessario ser politico, basta valer-se da arithmetica, para mostrar, que um Estado, que inclina toda a sua administração para as minas deve perecer necessariamente.»

—«Ouro e prata, são uma riqueza de ficção[2].» Já se vê que a opinião{32} do ministro de D. José baseada na sua muita sabedoria e aturado estudo se inclinava a ver tambem n'essa grandeza o germen da nossa decadencia, ainda que tambem fazia aos inglezes sérias e asperas arguições.

O estabelecimento dos jesuitas no reino e no Brasil foi, segundo o modo de vêr do Conde de Oeiras, muito pernecioso á nação, e n'essa conformidade procurou o meio de os arredar do seu caminho. Os filhos de Layola tinham por meio do confessionario e do ensino adquirido uma preponderancia grave e quasi absoluta, e o ministro não poupou diligencia e habilidade para conseguir annullar esse poder. Os jesuitas que tinham alistados nas suas bandeiras homens de grande intelligencia defenderam-se com vehemencia, vigor e finura. Esta guerra foi bem prejudicial, pois já custava a Portugal tres milhões de libras; os negocios caminhavam vagarosamente e a morosidade não se cuadunava com a força intelleclual e temperamento energico de Pombal, que, impaciente pela reluctancia dos jesuitas resolveu tomar medidas positivas e indeclinaveis. Não era empresa facil: os padres tinham á sua disposição poder e influencia, não lhe faltavam armas para combater. Eram jesuitas os directores espirituaes de toda a familia real. Moreira era o confessor de El-Rei, e estes eram outros tantos instrumentos que era necessario frustrar. O ministro não desanimou. O rei estava ao facto das intrigas em que andavam envolvidos os padres da Companhia, e comprehendeu que só tinha dois caminhos a seguir: se não sustentava o ministro seria elle proprio derrubado pelos seus poderosos inimigos, que lhe não perdoariam, e perdia o ensejo de regenerar a nação como tanto ambicionava; não vacilou e a 19 de setembro de 1757 demittiu o seu confessor e os de sua familia prohibindo-lhe até a entrada no Paço sem expressa licença sua. Este golpe foi decisivo, e o ministro não perdeu tempo, e escreveu logo a Francisco de Almada ministro portuguez em Roma para que «pedindo e obtendo do Santissimo Padre uma audiencia particular e secretissima» lhe referisse tudo o que havia com relação aos jesuitas e que elle lhe dizia n'essas instrucções ás quaes diz o ministro: «Se omittiam n'ellas muitos e mui aggravantes escandalos, que se não podiam referir sem maior indecencia, e pejo de quem as escrevesse e ouvisse.» Ordena-lhe que faça saber ao Papa: «que os jesuitas haviam sacrificado todas as obrigações christãs, religiosas, naturaes e politicas a uma cega, insolita e interminavel ambição de governos politicos e temporaes; de acquisições e conquistas de fazendas alheias, e até de usurpações de Estados, e dizia mais, que toda a demora que houvesse em obviar a tão grandes desordens, teria a consequencia de as fazer irremediaveis; accrescentava que El-Rei mandára recolher ás{33} respectivas casas e suas filiações todos os confessores da familia real, que eram jesuitas; e que Sua Magestade supplicava ao mesmo tempo a Sua Santidade, que se servisse de dar sobre esta importante materia tão efficazes providencias, que os abusos, excessos e transgressões dos jesuitas cessassem por uma vez, esperando o mesmo Senhor que á paternal, e apostolica providencia de Sua Santidade não faltasse a menor parte do que se fazia preciso em tão notorias urgencias, para que uma religião, que havia feito tantos serviços á Igreja de Deus, não cabe n'estes reinos e seus dominios, pela corrupção dos costumes de seus religiosos, e pelo geral escandalo que tinham causado com tão successivos e extranhos abusos.» Queixava-se mais ainda de «que os padres, mesmo depois de serem despedidos do Paço, ahi levavam a desordem e a intriga, que buscando por todos os modos impedir a fundação da Companhia dos vinhos do Porto, dos aggravos que faziam procurando oppôr-se á organização da Companhia do Grão Pará, dizendo até o padre Ballestes do pulpito, que quem entrasse n'essa Companhia não entraria na de Jesus Christo.»

As provas d'estes e de outros attentados foram juntas á mesma carta de instrucções. Não as vi nem sei de que especie eram mas deviam ser concludentes. A consequencia d'estas queixas acompanhadas dos documentos, para não admittirem evasivas ou delongas, foi Benedicto XIV por meio de um breve de 1 de abril de 1758 nomear ao Cardeal Saldanha reformador e visitador da Companhia de Jesus, tanto em Portugal como em todas as suas colonias.

Logo que de Roma chegaram as credenciaes, o vigario apostolico fez um edital declarando: «que os jesuitas portuguezes mesmo contra as leis de Deus e das nações, dirigiam um commercio illicito, e que por isso o prohibia e que se d'aquella data em diante, o continuassem ficariam sujeitos ás penas estabelecidas pelas leis.» Por bula do Benedicto XVI de 1741 foi prohibido a todas as ordens religiosas (sem especificar nenhuma) toda e qualquer transacção, trafico ou commercio e toda a casta de poder temporal, e que podessem comprar ou vender os pobres indios, empregando-se só em convertel-os e civilisal-os. Foi a primeira bula pontificia com o intuito de evitar o pessimo procedimento dos religiosos e missionarios na Asia, Africa e America e prohibia sob pena de excommunhão a quem quer que fossem de se atrever a reduzir á escravidão, os indigenas ou a vendel-os, compral-os, trocal-os, dal-os ou separal-os de suas mulheres e filhos; roubar-lhe seus haveres leval-os para outras terras, ou prival-os fosse por que meio fosse, da sua inteira liberdade.

Ninguem poderá accusar Benedicto XIV de injusto, antes é isto uma prova da excellencia do seu caracter. Pouco depois foi publicado{34} um edital em 7 de junho de 1758 concebido n'estes termos: «Por justos motivos que nos foram presentes e muito do serviço de Deus e do publico, havemos por suspensos dos exercicios de confessar e pregar em todo o nosso patriarchado os padres da Companhia de Jesus, por ora e emquanto não ordenarmos o contrario.» Ao passo que estas medidas devolviam ao rei a plenitude da sua authoridade, e o prestigio que lhe haviam usurpado, um monstruoso attentado punha em eminente risco a vida do mesmo monarcha. Tramou-se uma conspiração para o matar e tanto a opinião publica como a devassa a que se procedeu foram unanimes em accusar os padres da Companhia e os nobres, que bem largamente expiaram o seu horrendo crime, se o praticaram. O extracto do officio de mr. Hay de 10 de outubro de 1759, em que o ministro inglez refere ao seu governo os ultimos acontecimentos, darão ao leitor uma ideia da opinião geral, eis o officio: «Como a Companhia de Jesus é muito poderosa n'este paiz está por isso eminente a sua queda: para o que concorrem os grandes fundamentos que ha para acreditar, que os obstaculos que se teem opposto ás expedições das forças unidas (na America meridional) tem sido principalmente fomentadas por elles.» Não é mister transcrever mais correspondencias dos ministros estrangeiros pois todos são unamimes em affirmar a sabedoria e justeza das ideias e actos do ministro D. José. Emquanto a mim, comquanto respeite muito as opiniões de pessoas a quem venero e que lhe são contrarias, e mesmo a opinião geral que lhe é adversa, não creio em que todos, ou mesmo a generalidade fossem maus. Convencida de que, como em todas as classes, ha maus, entre elles, não posso acreditar em que uma corporação inteira fosse má. Isto porém não importa uma duvida, e creio piamente que muitos dos jesuitas d'aquella, e de todas as epochas, foram os culpados da expulsão que soffreram então e da geral reprovação que todos soffrem.

O nosso padre Antonio Vieira era bom, muito bom mesmo; S. Francisco Xavier e tantos outros que honraram a Companhia; não faltavam tambem os que tinham a ambição do mundo e das riquezas e o desejo de exercer influencia na governação do estado, na direcção dos estudos, na consciencia dos particulares. Nem isto é para admirar, quando entre elles haviam homens douctos, capacidades, engenhos, e quando taes cousas se dão, não falta uma voz intima que assegure que a taes dons cabe o dominio. Esse brado intimo que Pombal sentia em si mesmo, era aquelle que muitos jesuitas sentiriam quando no silencio da clausura a consciencia os advertia de quanto excediam aos que dirigiam e dominavam a sociedade civil.

Essas ambições e intentos foi o que lhe fez perder a todos o{35} conceito e consideração de que já tinham gosado. Como já disse, um terrivel crime veio lançar o terror e a indignação em todos os animos.

Os inimigos do ministro que se encontravam em todas as classes visto que os nobres lhe não perdoavam a sua preponderancia, o clero as suas medidas que lhe aniquilavam as ambições, a sociedade civil e o povo que era o instrumento d'essas duas poderosas classes, queriam a todo o custo derrubar esse obstaculo tremendo e como o rei se obstinava em sustental-o determinaram destruir o rei para facilmente conseguirem os seus intentos. O golpe era certeiro, se lograssem o desejado exito, mas Deus não quiz e talvez muitos innocentes pagassem sem culpa o execrando crime.

Os inimigos eram pois muitos e terriveis: o auctor d'esta terrivel conspiração era o proprio mordomo-mór de El-Rei, o duque de Aveiro, caracter ambicioso, avarento, falso e orgulhoso, e que não possuia qualidade alguma que o tornasse agradavel, ou que justificasse o valimento que o rei lhe dispensava. Parece que o ressentimento por alguma offensa imaginaria que suppoz ter recebido do rei ou do seu ministro, ressentimento alimentado por muito tempo pelos padres segundo dizem varios historiadores foi a causa que o impelliu ao crime.

Se isto não explica a adhesão do duque a essa conspiração contra a vida do rei, então só se pode julgar que fosse a mira em novos interesses e riquezas, que lhe adviriam se o rei tivesse consentido no casamento de seu filho D. Martinho com a opulenta herdeira de Cadaval. O segundo conjurado era o marquez de Tavora destituido de saber e de intelligencia, mas que talvez fosse levado ao crime para vingar uma affronta; a opinião geral porém não lhe dá esta causa e dizem que o despeito de não ter obtido o titulo de duque, da mesma sorte que o marquez de Gouvêa, e tendo ficado sem recompensa do seu governo na India, lhe insuflou no espirito o desejo de vingar com um regicidio a negada elevação; instigado por sua mulher para entrar na conspiração de que ella se fez a alma, graças ao seu caracter arrojado e intrepido. A sua posição social, nobresa e riqueza eram outros tantos auxiliares para o seu talento. A estes chefes da conspiração juntavam-se os dois filhos do marquez de Tavora, um ambicioso como sua mãe e particularmente offendido, o outro de um caracter maliavel como seu pae e que como elle se deixou arrastar ao crime. O terceiro era o Conde de Attouguia genro da marqueza, todos arrastados por ella como se vê da sentença e o narra o sr. Francisco Luiz Gomes na sua obra—Le Marquis de Pombal. Esquisse de sa vie Publique—da qual traduzirei o que diz respeito a este attentado e ás consequencias d'elle bem como quanto{36} se seguiu relativamente aos jesuitas: «Os cumplices eram marquezes de Tavora, seus dois filhos e seu genro. A marqueza foi a principal cabeça, auxiliada pelo padre Malagrida, que ella fazia julgar santo, José Romero cabo de cavallaria e que acompanhára seu marido á India, Antonio Alvares Ferreira creado grave do duque de Aveiro, Manuel Alvares Ferreira seu irmão, José Polycarpo seu cunhado, e José Miguel lacaio do duque.» O caso dera-se assim: «A 4 de setembro de 1758, as portas do palacio do rei fecharam-se repentinamente e o rei deixou de apparecer em publico. O governo socegou o corpo diplomatico e o povo, dizendo-lhe que o rei estava de cama em consequencia d'uma sangria que soffrera por ter dado uma pequena queda. O ministro de França, Saint-Julien, apressou-se em participar a noticia ao seu governo, mas alguns dias depois em carta particular e escripta em cifra, disse que a verdadeira doença do rei era uma ferida no hombro direito, occasionada por dois tiros que lhe haviam sido disparados na estrada de Belem; que os assassinos eram seis, ainda que só munidos de tres espingardas uma das quaes não dera fogo, e que as duas outras tinham crivado de ballas a caixa do trem.

«O povo de Lisboa não foi tão feliz como o ministro francez, que foi o primeiro a ter noticia tão circumstanciada do acontecimento. Em todo o reino se acreditava no que Carvalho fizera espalhar. Só a 15 de dezembro é que D. Luiz da Cunha, ministro dos Negocios Estrangeiros, revelou ao corpo diplomatico o attentado que tivera logar a 3 de setembro. Carvalho aconselhára ao rei que fingisse uma quéda para melhor se assegurar dos criminosos. Preparou tudo com prudencia e mysterio a fim de que o golpe que queria vibrar fosse mais seguro. As suas investigações foram de tal modo secretas que aquelles que elle soppunha chefes da conspiração nem deixaram de frequentar o Paço.

«Um d'entre elles, o duque de Aveiro, mordomo-mór, ali dessempenhou as suas funcções até ao momento em que foi preso. A 12 de dezembro, então, quando todos já tinham esquecido a quéda do rei, Carvalho fez fechar na torre de Belem o duque d'Aveiro, o marquez de Tavora, seus filhos Luiz e José, seu genro conde de Athouguia, o cabo Braz José Romero, ligado á casa de Tavora, Antonio Alvares Ferreira, criado grave, Manoel Alvares Ferreira e seu irmão João Miguel, lacaio do duque. Fez ao mesmo tempo conduzir com boa escolta e fechar no segredo do convento das Grillas a marqueza de Tavora. Todos os conventos dos jesuitas foram cercados de tropas e ordens secretas foram dadas para serem presos Manuel e Nunes de Tavora, irmãos do marquez do mesmo titulo, e os marquezes de Alorna e de Gouveia.{37}

«Um rumor principiou então a espalhar-se na cidade: dizia-se que os assassinos se haviam dividido em tres bandos, que o duque de Aveiro acompanhado do seu lacaio e de um outro, formava a primeira emboscada e havia atirado sobre o cocheiro um tiro de espingarda, que falhou; que o bolieiro, dando por isso, se poz, sem prevenir o rei, a esporear as mullas para evitar novos tiros; que por este motivo os que faziam parte da segunda emboscada vendo a sege a gallope se viram obrigados a atirar com precipitação sobre o vehicolo; que estes dois tiros fizeram ao rei crueis ferimentos desde o hombro direito até ao cotovelo, em fim que o attentado tivera logar pelas onze e meia da noite na estrada de Belem.

«Carvalho não mandou todos estes accusados de tão diversas cathegorias para os tribunaes ordinarios. Foram levados ante um tribunal extraordinario chamado Tribunal da inconfidencia, presidido pelos ministros e composto de juizes escolhidos pelo rei entre os magistrados de sua confiança. O crime julgado por este tribunal era simples e espedito. Os accusados não podiam defender-se pela voz de um unico defensor; para accumular provas contra elles Carvalho publicou um edital promettendo áquelles que as podessem e quizessem fornecer, grandes vantagens, como a de elevação á nobreza, o titulo de moço fidalgo, e de cavalleiro áquelles que já fossem nobres; o titulo de viscondes aos moços fidalgos, ou o titulo immediatamente superior aos que já tivessem algum; isto sem detrimento de outras recompensas de dinheiro ou empregos nas justiças ou finanças ou commendas. Aproveitou tambem perdoar aos cumplices que se resolvessem a declarar tudo o que soubessem da conspiração; assegurava que a infamia ligada ao nome de delator, não tinha rasão de ser logo que se tratasse de um crime contra o rei. Em quanto o Tribunal tinha as suas cessões no maior segredo, Carvalho povoava as prisões de suspeitos. Muitos fidalgos para lá foram. A espada de Democles estava suspensa sobre a cabeça dos fidalgos portuguezes. O julgamento não se fez esperar. Foi assignado a 12 de janeiro pelos tres ministros, Carvalho, D. Luiz da Cunha e Thomé da Costa, e pelos juizes Cordeiro, Bacalhau, Santos Barbosa, Leiria, Oliveira Machado e pelo promotor fiscal. Eis as sentenças:

«O primeiro chefe (duque d'Aveiro) foi condemnado a ser esquartejado vivo, a serem-lhe quebradas pernas e braços e afinal queimado e as suas cinzas espalhadas no mar. As suas armas despedaçadas, casas e palacios arrasados e seus bens confiscados. O marquez de Tavora foi condemnado ao mesmo supplicio. Ninguem mais poderia usar do seu nome sob pena de confiscação de bens. Antonio Alvares Ferreira e José Polycarpo condemnados a darem{38} a volta da praça de Belem de baraço ao pescoço precedidos de um pregoeiro e depois ligados a postes elevados e queimados vivos e as suas cinzas deitadas ao mar. José Polycarpo fugira, no julgamento offereciam-se grandes premios a quem o prendesse. Luiz Bernardo Jeronymo de Athaide, conde de Athouguia, José Braz Romero, Manuel Alvares e João Miguel foram condemnados a perecerem n'um mesmo cadafalso, serem alli estrangulados, depois do que se lhe quebrariam pernas e braços, depois queimados e as suas cinzas deitadas ao mar. Quanto á ré D. Leonor, marqueza de Tavora, por algumas justas considerações, foi exceptuada das penas mais severas, que merecia a enormidade de seus crimes, e só a condemnou a ser conduzida com baraço ao pescoço, precedida do pregoeiro publico, sobre o dito cadafalso, onde soffreria a pena de morte, cortando-lhe a cabeça e sendo depois queimada e as cinzas deitadas ao mar.» Nem uma palavra a respeito dos jesuitas! A execução seguiu o julgamento. Foi no dia 13 de fevereiro de 1759 ás 8 horas da manhã. O aspecto da cidade era sinistro e ameaçador. Via-se na praça de Belem fronteira ao Tejo, um cadafalso de dezoito pés de altura. A praça estava cheia de tropa, o rio mesmo estava coalhado de espectadores. Não se ouvia senão o ruido surdo da multidão que queria presencear a morte d'esses grandes senhores. De repente dois homens trazendo uma cadeirinha, e precedidos de um pregoeiro, atravessaram a multidão. Era a marqueza de Tavora que chegava. Tinha a corda no pescoço e um crucifixo na mão. Uma capa escura a envolvia e algumas fitas brancas lhe fluctuavam na cabeça. Dois padres a acompanhavam e lhe inspiravam essa fé ardente que fortalece a alma, com que a fazem sobrepujar a fraqueza da materia e que é uma luz contra as trevas da agonia. A marqueza subiu o cadafalso com passo firme; não estava abatida pelo crime, nem intimidada pelo espectaculo, com o horror da morte que ella parecia affrontar com serenidade de espirito e por um sorriso de paz. Logo que chegou ao cadafalso o algoz mostrou-lhe as barras e os outros instrumentos de tortura que bem depressa deviam arrancar a vida a seu marido e filhos queridos. Então a mulher que até alli mostrára rara firmeza, aquella que não tinha patenteado a minima fraqueza feminina, nenhum desfallecimento de espirito e cujo semblante nem empallidecera, não pôde resistir ao golpe dirigido ao coração de mãe e de esposa. A natureza roubou-lhe a sua resignação christã, e a marqueza chorou. O algoz fel-a então sentar n'uma cadeira, vendou-lhe os olhos, e querendo amarrar-lhe os pés levantou-lhe um pouco o vestido; «não me toque» gritou-lhe ella, indicando assim que a sua dignidade de mulher estava ainda acima do seu titulo de marqueza{39} e do poder dos seus inimigos. Um segundo depois a cabeça rolava no cadafalso cortada por um só golpe. A multidão tornou ainda a afastar-se para deixar passar a cadeirinha que d'esta vez trazia José Maria de Tavora, o filho mais novo do marquez. O mancebo tinha apenas 21 annos, coração bravo e um semblante esplendido de juventude e belleza. Os seus longos cabellos louros deitados para traz deixavam ver a sua fronte nobre e pura. Á commiseração que inspirava a sua bella juventude, juntava-se o pesar de o ver perecer tão miseravelmente. Durante o captiveiro o mancebo déra as mais claras provas de rara firmeza; nem ameaças, nem torturas poderam arrancar-lhe uma confissão; permaneceu sempre encerrado em obstinado silencio, ou (quem sabe) na sua innocencia. Todos os juizos humanos podem enganar-se; por mais douto que seja o homem não póde ser infallivel, pois que essa qualidade só é attributo de Deus. Acareado com seu pae, disse: que se cingia unicamente ao que elle confessasse, por que preferia partilhar a sua sorte a contradizel-o. O desgraçado mancebo soffreu o supplicio com santa resignação. O conde de Athouguia e Luiz de Tavora seguiram o mancebo ao cadafalso. Ambos haviam confessado que eram culpados e que toda a sua familia era cumplice na conspiração. Os criados do duque de Aveiro foram queimados vivos, soffrendo horriveis torturas. O pregoeiro annunciou outra execução: era o marquez de Tavora. Vinha este vestido com o mesmo fato com que fôra preso. Tudo n'elle indicava coragem e dignidade; parecia que a misericordia divina descera sobre elle para o confortar no momento em que elle e toda a sua raça iam extinguir-se. Soffreu o supplicio com tanta coragem e resignação como sua mulher e seu filho José. O duque d'Aveiro foi o ultimo. Vinha descalço e de cabeça descoberta, tremulo e abatido. Prenderam-n'o á roda, com as pernas e braços nús. Foi despedaçado vivo atroando a praça com dilacerantes queixumes. Depois, roda, cadafalso e cadaveres tudo foi queimado e as cinzas lançadas ao Tejo.» Seria justo? quem o póde affirmar?

Com justiça ou sem ella isto tudo foi horrivel, mas se considerarmos que tudo se passou em epocha em que os castigos eram todos de refinada crueldade não nos admiraremos de que assim se praticasse com reus convictos de regicidio, e nas condições em que se deu o crime. A tortura era empregada em toda a parte principiando pela inquisição que se constituia tribunal de um Deus de vinganças em vez de insinuar-se pela caridade e pelo amor.

O facto é que Sebastião de Carvalho começara pretendendo assellar o seu predominio pela promoção do bem commum, pelo desenvolvimento moral e industrial do povo, arrancando á ignorancia{40} e obscurantismo o nervo principal da republica. Nas circumstancias extraordinarias que concorreram no principio da sua administração e que deram logar a que revelasse todo o poder do seu genio, contava com a gratidão de seus contemporaneos e com o bom senso do rei; que veriam n'elle o ministro unico capaz de supportar o pesado encargo das consequencias originadas por essas mesmas circumstancias. Se o direito que exercia podia ser ligitimo aos olhos do monarcha e do povo, e verdadeiramente—par droit de conquete—a nobreza e o clero não lhe perdoavam a falta de foros e o droit de naissance. O longo reinado de D. João V, destruindo o espirito aventuroso do antigo Portugal, já bastante affrouxado nos 60 annos de captiveiro, e particularmente n'aquelles em que fôra ministro omnipotente e fanatico fr. Gaspar da Encarnação, cujo sobrinho era o mesmo duque d'Aveiro, ducado em que elle o investiu por uma provisão regia, contra os direitos reconhecidos da marqueza de Unhão, porque o marquez de Gouvêa se achava em grau mais affastado de D. Maria Guadalupe; em todo esse periodo a fidalguia e clero tinham ganho preeminencias que mal se conciliavam com a regra commum, a que o marquez pretendia que todos se sujeitassem, não havendo senão o rei, por um lado, e as subditas para outro. O extirpar os abusos foi sempre o escolho dos grandes reformadores; os possuidores de previlegios não os abandonam por convencimento, e menos ainda em proveito da collectividade; o bem commum oppõe-se sempre ás isenções e franquias dos grandes vassallos e a unidade monarchica jamais pode fundar-se sem abater violentamente os senhores feudaes, cujas pretensões chegavam a hombrear com a corôa e a empanar-lhe o brilho. O interesse de classe levou sempre os previlegiados a colligar-se para manter as excepções ao direito commum. Muitas vezes por meio de revolta armada, outras pela traição. D. João II e Luiz XIII eram exemplos que Pombal tinha na historia. Não podendo impôr-se por uma administração sabia e previdente, teve, como aquelles, de empregar o terror. As suas execuções são mais o frio calculo de um estadista consumado, que derruba os obstaculos que se lhe oppõem, do que o resultado d'uma ferocidade sanguinaria, que mal ia com os seus antecedentes, com o seu amor de familia, com a educação dada a seus filhos, e com a amizade que entreteve em todas as suas affeições. A execução do duque d'Aveiro e seus cumplices produziu o effeito que antevia, a perseguição contra uma Ordem poderosissima, lisongeava as outras que viam com inveja os progressos e riquezas da Companhia de Jesus; a repressão dos furores da inquisição não podia deixar de satisfazer o povo a quem o tribunal era odioso. A carnificina de Belem impressionou fortemente naturaes e estranhos.{41} Muitas publicações no estrangeiro, particularmente em Roma, feitas pelos jesuitas, trataram de commover os animos em favor das victimas e contra a iniquidade do ministro. Eram por certo em muito maior numero os detractores do marquez de que os apologistas; e tão grande foi o effeito, que ainda hoje não falta quem duvide da justiça do castigo e quem ponha mesmo em duvida a existencia do crime. Tambem se crê que a sentença foi annullada por D. Maria I rehabilitando a memoria dos suppliciados. Houve porem effectivamente tentativa de regicidio. Foram os justiçados, auctor e cumplices n'essa tentativa? Que parte tomaram os jesuitas no crime visto que a sentença só falla de dois confessores do Paço e do P. e Malagrida confessor da marqueza, o que podia ser intervenção individual e não determinada pelos prelados d'esta ordem? O melhor testemunho em favor da execução provando a tentativa foi o effeito da descarga do bacamarte, que causou sete feridas de zagalote desde o hombro até ao cotovello e peito do rei. Este, mandando voltar atraz, não só temia que outras embuscadas estivessem preparadas no seguimento, mas queria ir á Junqueira onde mais depressa seria soccorrido pelo seu ciurgião que alli morava proximo do marquez d'Angeja, seu amigo, em cuja cama foi tratado. Os dois assassinos, diz a sentença, retiraram pelo caminho que vai pela quinta do Meio, donde se dirigiram para a travessa do Guarda mór e depois para Lisboa.

Este itenerario põe em duvida o que diz a sentença, isto é, que os tiros fossem disparados no logar em que se levantou o templo, ainda chamado—a Memoria—porque fica já muito perto do Paço d'Ajuda. Os que combatem tal documento, pretendem que os tiros fossem dados contra Pedro Teixeira, creado favorito do rei e contra o qual o duque nutria odio profundo, e que fosse na ponte d'Alcantara, seguindo a sege o caminho até casa do marquez d'Angeja; mas contra tal argumento oppõe-se o procedimento do rei, o qual mandou levantar o templo no logar em que suppôz que o salvara a intervenção de Nossa Senhora, de quem era muito devoto, mas particularmente por haver pedido a sua filha, mesmo á hora da morte, que mandasse concluir a Memoria por elle votada em acção de graças á Virgem que o protegera e salvára. O rei era muito religioso e não pode suppôr-se, que em artigos de morte fizesse declarações oppostas á verdade só para ir de accordo com o processo. Alem d'isto, o estado d'aquelle espirito em occasião tão solemne, deu mostras do seu convencimento absoluto quando declarou que perdoava aos seus inimigos o mal que lhe tinham feito, declaração ouvida por toda a sua familia pelo seu confessor e por quantos lhe cercavam o leito.{42}

Os tres agentes principaes, Aveiro, Tavoras e os jezuitas, tiveram parte distincta, o que não revela a uniformidade das penas.

O primeiro foi de certo o auctor; ninguem o duvida, nem mesmo a sentença revisoria. Dos Tavoras não se pode dizer o mesmo tão abertamente, ou, pelo menos, nem todos entraram na conspiração. Os jezuitas não foram activos e podiam, alguns, ter alimentado os odios dos conjurados, ficando ainda a duvida se elles prefeririam a morte de D. José á do Marquez de Pombal. As desintelligencias d'elles com o duque de Aveiro, desde o tempo de seu tio fr. Gaspar, as rivalidades dos Tavoras contra o duque d'Aveiro e a reconciliação posterior d'estes elementos, que se juntavam diariamente, é indubitavel que foi obra do director espiritual da Marqueza, o padre Malagrida, que nunca faltou ás reuniões dos descontentes, que achavam em casa da Marqueza todo o agasalho, e onde julgavam poder fallar impunemente do rei e do seu governo. As offensas pessoaes feitas ao marquez, velho, e ao seu herdeiro, pelas relações occultas do rei com a marqueza, nova, que feriam o orgulho do duque, sem mesmo exceptuar as que vinham de egual sentimento por diversa causa, tudo poderia concorrer para o desejo de vingança na pessoa do rei, de preferencia a um crime contra o seu ministro. Se alguma prevenção ou duvida podesse haver contra o facto incriminado aos réos, ou antes, a alguns d'elles, ella desappareceria em quem lesse o livro de Amador Patricio, que são memorias da epocha, e em que não falta a paixão contra o marquez e o seu governo. O auctor não encontra um unico merecimento, uma unica medida, boa em todas as excellentes medidas do grande e sabio reformador, mas quando chega a fallar no attentado, relata as circumstancias e acha justo o castigo. A opinião geral de então, sem exceptuar a de todos os ministros estrangeiros aqui residentes e que relatam aos seus governos os acontecimentos, são unanimes n'estes pontos. Salvo na culpabilidade do joven José de Tavora que tambem foi justiçado, e de alguns mais das familias Tavora e Alvor, que ficaram tantos annos encarcerados.

Se Pombal quiz atterrar os nobres, conseguiu-o muito além do necessario. Procurar os criminosos, accusal-os e condemnal-os á morte, era uma consequencia da legislação, mas accrescentar á perda da vida as flagellações que antecederam e se succederam ás execuções, em vez de justiça foi crueldade desnecessaria e condemnavel.

Mas ainda n'este seculo tivemos um triste exemplo de crueldade similhante, dado pelo grande Napoleão, que prendeu, em paiz estrangeiro, o duque de Enghien e fez fuzillar em Vincennes a pobre creança, só para atterrar a nobreza.{43}

Os jezuitas, José Moreira, que fôra confessor do rei; Jacintho da Costa, que o foi da rainha, e Thimoteo de Oliveira, dos principes, frequentaram, depois de expulsos do Paço, o palacio dos Tavoras, e foram por isso encerrados nos carceres por suspeitos; não ha prova, porém, de que elles incitassem ao crime ou fossem d'elle sabedores; e se o fossem, o marquez não se limitaria á prisão, e leval-os-hia ao patibulo, como o fez a Malagrida. D'este foi o conde de Oeiras inimigo implacavel, e se bem que o padre foi o instigador do crime, compunge-se o coração quando se examina por que meios se conseguiu uma morte tão violenta e os pretextos procurados para a praticar. Este padre, que fôra logo preso no forte da Junqueira e tratado com os maiores rigores, era attentamente vigiado. Na solidão do carcere, e por não estar ocioso, escreveu a vida da Senhora Sant'Anna, na qual a sua imaginação febril introduzia coisas que não resistiam a qualquer exame; aquelle espirito e corpo enfraquecidos e enferenicos, já pela reclusão, já pelos jejuns, chegou a disparatar e fez das suas visões de fanatico uma historia da mãe da Virgem. Esse foi o pretexto. Quando o padre rematava a sua obra, foi-lhe tirada e submettida ao exame do Santo Officio, onde já era inquisidor geral o irmão do marquez, Paulo de Carvalho, e esse tribunal o condemnou a ser garrotado e queimado como hereje impenitente. Foi um verdadeiro escarneo fazer passar este fanatico por um hereje e condemnal-o como tal, visto que civilmente este se escapára, pelo fôro ecclesiastico, ao tribunal especial que julgára os seus cumplices no crime de regicidio. Foi ainda uma aggressão feita á Companhia de Jesus e á côrte de Roma, que se oppunha a que os tribunaes ordinarios conhecessem dos crimes ecclesiasticos. Malagrida era catholico fervente, talvez enthusiasta na sua fé; teria o espirito pervertido pela leitura dos casuistas da sua Ordem, e talvez essas doutrinas falsas o fizessem não encarar o regicidio como crime gravissimo; mas, quando o mataram, era um louco, um visionario. Aquelle livro em que se baseava a sua condemnação, seria hoje a sua absolvição, havendo-o como desacizado e irresponsavel; tinha ensandecido. Os dois bispos de Cochim e Cagranor, tinham ambos vestido a roupeta da Companhia. A sentença e execução de Malagrida fez tal impressão no bispo de Cochim, que este escreveu ao outro uma carta em que declarava que tal sentença não era mais que um libello contra a Companhia, que Malagrida era um sacerdote de solidas virtudes e que os factos que lhe attribuiam deviam ser inventados. A India, por distante, não escapava á vigilancia do Marquez de Pombal. Soube da existencia da carta e conseguiu obter copia d'ella. Já era o anno de 1774, e ainda o marquez expediu um despacho á Meza Censoria, no qual se{44} vê que o antagonismo estava tão vivo como nos primeiros tempos da lucta travada com a Companhia de Jesus, visto que similhantemente na tal carta, diz o marquez: «Só havia a paixão, a malicia, a calumnia, a ignorancia e a temeridade, e que era um legitimo parto, não de um bispo, mas de um homem todo possuido dos pessimos e detestaveis espiritos da soberba, da vingança, e esquecido de Deus, da eternidade e de si mesmo.» A Meza Censoria não foi menos energica no seu estylo: a carta foi julgada mentirosa, infame, impia, blasphema, sediciosa, escandalosa e heretica, condemnando-a a ser lacerada e publicamente queimada pela mão do algoz, na Praça do Commercio, o que se executou.

Quando D. José deixou de existir, sua filha, correspondendo ao perdão que seu pae dera a todos os seus inimigos, soltou os presos politicos, que por tantos annos jazeram nas masmorras. Cada um voltava com o desejo de vingança e com elles todos os parentes e descendentes pediam á rainha a rehabilitação da memoria d'aquelles que expiraram no cadafalso e a restituição de bens a seus legitimos herdeiros. D. Maria I, de animo timorato, e balançando sempre entre a memoria de seu pae e as suggestões do marido e dos inimigos do marquez, não sabia como haver-se em tal difficuldade, porém, o conde de Assumar, casado com uma filha dos Tavoras e que tantos annos estivera preso sem outro delicto que não fosse esta alliança, reclamou resolutamente a revisão da sentença, e sendo appoiado pelos novos ministros e pelo confessor da rainha, esta resolveu-se a submetter a exame a sentença condenmatoria contra a qual se protestava. Effectivamente essa sentença revisoria tira aos Tavoras e conde de Attouguia, a responsabilidade no crime de regicidio e rehabilita a sua memoria. O que n'isto ha de mais estranho é que a maioria dos desembargadores, que agora absolviam os réos mortos, eram os mesmos que assignaram a sentença anterior com todos os seus horrores que ella comprehendia; achavam agora tardiamente que se não havia guardado as formalidades prescriptas pela lei.

Segundo este documento fica provado á sacciedade a existencia do crime; que o duque d'Aveiro, querendo vingar-se do rei por este lhe negar o rendimento de commendas que entravam para a caixa das commendas extinctas, e por impedir o casamento de seu filho D. Martinho com a rica herdeira de Cadaval; e além do duque os dois familiares d'elle e o cunhado de ambos, José Polycarpo. A esta sentença revisoria oppôz o dr. João Pereira Ramos, procurador da corôa, tres ordens de embargos: uns de abrecção e sobrecção, e ainda de effeito de integridade do processo, impugnando a sentença pelos seus mesmos fundamentos. O arrojo d'este magistrado, que{45} era irmão de D. Francisco de Lemos, bispo de Coimbra e amigo de Pombal, foi de todos admirado, mas causou na rainha novas vacillações, deixando-a n'aquelle combate violento entre o dever de filha respeitosa e a quem cumpria não atacar a memoria da justiça feita por seu pae, e as diligencias que perante ella empregavam os interessados e mesmo pessoas de sua familia. N'esse combate e nos escrupulos de uma consciencia tibia, se lhe passou o tempo e se lhe esvaeceu a razão. Com aquelle incidente do recurso interposto, nunca a segunda sentença passou em julgado, ficando por tanto de nenhum effeito, e de pé, a proferida em 1759. Se quizermos julgar de um rei ou de um estadista, avaliando os seus actos, praticados em outras epochas, pela philosophia de um seculo que se avantaja em idéas humanitarias, que não teve os d'elles, raro será aquelle que não mereça o nome de tyranno; é necessario examinar os costumes da epocha em que viveram, quaes as idéas dominantes na sociedade que governaram, qual o estado da sua legislação penal. Os grandes reformadores tem muitas vezes de fazer calar o coração para seguir o que lhe aconselha o entendimento. Pedro I, da Russia, não poupou o proprio filho mas fundou um imperio e a sua memoria é respeitada, não como sanguinario, mas como fundador de uma nacionalidade, como um previdente legislador e que introduziu n'um paiz semi-selvagem, as artes e a civilisação a que estava alheio. Naturalmente o pae chorou o filho, mas o rei não vacillou. Uma mãe, não saberia fazel-o. É por isso que as que alimentam a ridicula otupia de chegar a epocha em que a mulher seja chamada a desempenhar cargos na republica (que as ha), devem perder essa idéa, que, para ser realisavel, era necessario que a mulher podesse dominar o coração pelo entendimento, pois de outro modo não se governam nações. A mulher deve ser o anjo do lar, é mãe, é mestra, e capaz de tudo quanto dependa de sentimentos nobres e brandos, mas são raras, e ainda bem, as aberrações que mentindo ao seu destino doce e nobre, se fazem notar pela crueldade. O homem tem outra missão; destinado a proteger e a deffender, Deus deu-lhe outra força de animo; a mulher que se desvia da senda que a Providencia lhe marcou, torna-se má e cruel, mas nunca chega a ser grande; o homem que segue o seu caminho, no intuito de bem governar, vê-se muitas vezes constrangido a calcar todos os sentimentos, por que vê ao longe o beneficio que tirará.

Os humanitarios de hoje, se tivessem nascido ha um seculo, e tivessem o talento de Pombal, para chegar aos mesmos fins buscariam naturalmente os mesmos meios. Não era só em Portugal que se empregava a tortura.

O joven cavalheiro Laborde e alguns rapazes da sua edade, foram{46} accusados de haverem ultrajado um crucifixo que estava n'uma ponte de Abberville, foram condemnados a padecerem a amputação da lingua arrancada por meio de tenazes, e a tortura ordinaria e extraordinaria. A sentença confirmada pelo parlamento de Paris foi executada por cinco algozes. O cavalheiro Laborde depois de ter padecido a tortura, foi executado em Abberville. Este desgraçado rapaz subiu ao cadafalso com uma coragem tranquilla e padeceu o supplicio sem se queixar. A sua execução causou tal horror, que se não atreveram a proseguir no processo dos demais accusados.

Ainda vou reproduzir um outro exemplo, e muitos mais poderia dar se o caso carecesse de mais exemplos, mas quem ha que não tenha lido mil casos identicos em documentos, em jornaes, na historia de todos os paizes, mesmos os mais civilisados?

A tolerancia e os sentimentos de humanidade não eram as qualidades brilhantes dos seculos anteriores. A crueldade era levada ao requinte, e quem não tiver lido e desejar convencer-se de que era systema geral, não tem mais do que ler a historia de Roma e da doce Italia em geral, a de Hespanha, onde Torquemada dá largo assumpto, e mesmo a da França republicana.

Se accusamos o ministro, o que diremos do rei? Acaso Pombal fez quanto se deixa dito sem a sancção regia? Não salpicaria essa monstruosa execução as capas de arminhos do rei e da rainha? Não seria esse rei (tão temente a Deus), connivente na barbaridade? foi-o sem duvida, mas em relação á epocha não poderia obrar de outro modo, e repito, é isso o que justifica a todos os que cooperaram para essa terrivel carnificina.

Vejamos o outro exemplo: este da-se na Prussia e já sob o governo do actual monarcha que muitos dizem illustrado e bom mas que se não chama D. Luiz I: ao nosso bom rei é que ninguem arrancaria a sancção de tão horrorosa sentença. Leiamos o Times, isto em 1870!

Execução do assassino do bispo de Emerland.—Rudolpho Hühnapfel, o alfaiate, que assassinou o bispo Von Hatten e seu mordomo, na sua residencia episcopal em Franemburg, foi executado na madrugada de 7 do corrente, no oiteiro, que fica a cerca d'uma milha d'aquella cidade, proximo á estrada de Elbing. Os juisos pronunciados em ambos os processos pelos tribunaes do crime foram acordes em condemnal-o á morte por meio do supplicio da roda, que começaria pelas extremidades inferiores do corpo acabando nas superiores (voa unten auf). A 15 do mez proximo passado foi a sentença, confirmada pelo assentimento regio, que tomou uma nova formula.

No reinado anterior custumava correr como se segue: «Lemos a sentença e ordenamos a sua execução! Hoje adoptou o soberano{47} esta phrase: «Lemos esta sentença e queremos que se dê livre curso á lei! O preso houve-se por muito tempo, com bastante presença de espirito, sem patentear um só indicio de remorso, ou arrependimento até ao momento em que na ultima audiencia, lhe foi lida a sentença do tribunal; operando-se então visivel alteração na sua conducta. A 27 do referido mez quando ouviu a ordem regia para a sua execução, estava tão agitado, que não podia fallar, pelo que recebeu então o auxilio espiritual do sacerdote. Na vespera do supplicio foi confessado e recebeu a communhão.» Outro jornal o Elbing Zeitung diz o seguinte sobre o mesmo: Ás 4 horas e meia da manhã foi o preso removido de Braunsberg n'uma carreta bem escoltada, chegando ao logar destinado para a execução ás 6 horas. Mais de 10:000 pessoas affluiram de toda a diocese áquelle logar ao romper do dia, sendo digno de notar-se que mais de metade, eram mulheres. O criminoso desceu da carreta, em deploravel estado de desalento tomou uma bebida restaurante, que lhe foi administrada, sendo em seguida conduzido ao cadafalso, onde lhe tiraram as algemas: ajoelhou com o padre que o acompanhava e orou. O prisidente do tribunal de Braunsberg, leu a sentença que o condemnava a ser rodado, começando a tortura pelos pés, e voltando-se para os tres algozes disse-lhe:—E agora vol-o entrego para o devido cumprimento d'esta sentença.—«Ouvindo isto o reu, olhou para o padre e tornou a ajoelhar, mermurando breve oração; levantou-se depois, colocou-se no cadafalso com fria resolução, e recusando o auxilio dos algozes, pôz elle mesmo os pés e os braços na posição exigida e exclamou com voz firme:—Deus se compadeça da minha pobre alma.» O algoz cubriu-lhe o rosto e o terrivel supplicio da roda começou. Em dez minutos deixou aquelle desgraçado de existir sendo o cadaver, já reduzido a uma massa informe, mettido em um caixão já para isso preparado.

«Os espectadores retiraram-se visivel e profundamente commovidos.»

Basta de exemplos revoltantes, para retomar o fio da interrompida narrativa.

Depois das ultimas cartas de que fallei, os jesuitas contavam com a elevação ao poder do novo papa, para arranjarem os seus negocios, mas já iam desanimando quando a nomeação de Rezomnico para confessor de S. S. e que era jesuita lhe fez renascer novas esperanças.

Clemente 13 foi aclamado, e o Geral dos jesuitas Ricci, não perdeu um momento em lhe apresentar um memorial para as reformas. Queixava-se de que os não tinham ouvido quando os accusaram,{48} e de que se attribuiam a todos os jesuitas residentes em Portugal e suas dependencias, culpas commettidas por um ou outro, isoladamente. Protestava a innocencia dos superiores e pedia que fosse revogada em Roma, a reforma principiada em Lisboa a 12 de maio.

Na congregação as opiniões dividiram-se; uns votaram pela revogação immediata do breve, que tachavam de offensivo á dignidade do papa: outros advogaram a causa do rei de Portugal, contra os jesuitas. Depois de larga discussão, resolveu-se o seguinte: O cardeal Achinto, deveria entender-se com o nuncio e recommendar-lhe que se entendesse tambem, com o cardeal visitador, e aconselhar-lhe toda a moderação possivel no cumprimento do seu encargo.

Isto foi poeira que não cegou os jesuitas que ficaram pouco satisfeitos; mas não desanimaram, e principiaram a espalhar boatos absurdos a respeito de Portugal e do seu governo. A morte do patriarcha de Lisboa, foi attribuida pela Companhia aos remorsos, e julgavam com estas e outras falsidades excitar o zelo do seu protector, o cardeal Torregnani, que fôra nomeado secretario d'Estado. Veio a complicação do attentado contra o rei, tornar mais critica a situação dos jesuitas. Malagrida foi morto e os outros suspeitos presos, uns no forte da Junqueira, outros na quinta do duque de Aveiro.

Todos os seus bens foram encorporados nos da corôa como pertencentes a inimigos do rei, e de seus Estados; assim declarados por decreto do tribunal.

Todas estas ordens, dizia Carvalho, são indicadas pela economia e pela necessidade do rei, de deffender a sua real pessoa, e o seu governo, e o repouso publico de seus subditos, o exige em quanto esperam novos recursos da Santa Sé. As melhores intenções são muitas vezes envenenadas. Houve quem dissesse que o motivo que impellia Carvalho, a fazer sequestro nos bens dos jesuitas, era a ambição de se enriquecer com os seus despojos.

Foi uma calumnia inventada pelos mesmos padres com o intento de denegrir o caracter do ministro que em todos esses bens não teve a minima parte.

Depois de prender os padres e sequestrar-lhe os bens, Carvalho dirigiu-se ao papa para julgar Malagrida e seus cumplices. Estas méras formalidades em nada diminuiram a energia das suas reclamações. Elle não julgava necessaria a approvação do papa para punir Malagrida, mas embaraçava-o d'um lado o rei, que não queria faltar a nenhuma attenção para com a Santa Sé, do outro, o povo fanatico e cheio de prejuisos. Dirigiu-se ao papa, como em tempo o fizéra a Benedicto XIV, um dos mais sabios pontifices, que tem empunhado{49} a theára, mas que não concedeu mais que a reforma da ordem, golpe que ainda assim foi decisivo, e que os padres estavam longe de esperar, porque fôra preparado no maior segredo; pedia a Clemente XIII em nome do procorador geral da corôa, authorisação para o conselho chamado Conselho de Consciencia, poder relaxar ao braço secular depois da degradação pronunciada conforme os decretos canonicos todos os ecclesiasticos seculares e regulares convencidos de conivencia no attentado de 3 de setembro, e os que de futuro se tornassem réos do mesmo crime. O rei junctou a esta pretenção, ou supplica do procurador geral da corôa uma carta sua cheia de affecto e confiança e dizia a S. S. que resolvera expulsar os jesuitas do seu reino e dependencias, e que era resolução irrevogavel. Uma memoria minuciosa dos crimes e excessos praticados por esses religiosos, acompanhava a carta e a supplica e Carvalho fez remetter tudo ao nosso embaixador em Roma para que este ficasse ao facto do que se desejava, acompanhando ainda esta remessa de instrucções particulares dadas em longa carta que termina assim:—«Em fim, caro primo S. Magestade deseja a paz e quer até á ultima extremidade mostrar ao papa, os sentimentos affectuosos, e o respeito filial que lhe tributa, ainda que está persuadido, de que cincoenta annos de guerra com qualquer potencia da Europa, lhe eram menos nocivas á sua autoridade do que a presença dos jesuitas no reino e seus dominios. Em conclusão S. M. ordena-me que previna a V. S.ª de que deve mostrar na côrte de Roma tanta moderação como firmeza, fallando sempre como um ministro, deve fallar ao Supremo Pastor ou ao que occupa o seu logar, fugindo principalmente dos dois maiores peccados politicos que são: recordar faltas passadas e irremediaveis, o que azeda sempre os animos; o segundo o de ameaçar o Soberano ou seus ministros. A esse respeito deve imitar o cardeal Dossa que emprega sempre a terceira pessoa servindo-se de phrases como estas: crê-se, teme-se receia-se etc.»

Apesar porem de toda a energia que Almada desenvolveu, encontrou a vontade firme do secretario de Estado o Cardeal Torregiana, que era primo de Ricci, e amigo dos jesuitas e que não dissimulou a sua opinião e a sustentou com firmesa. O mesmo papa lhe não era adverso, e Almada, comprehendeu logo que nada conseguiria. Carvalho publicou então o decreto de 28 de junho de 1759 pelo qual os jesuitas, eram desnaturalisados, proscriptos e expulsos, para sempre de Portugal e seus dominios.

Todos os portuguezes eram obrigados, sob penna de morte, a prohibir-lhe a entrada no reino, e de ter com elles a minima correspondencia ou relação. O decreto exceptuava os jesuitas presos, e os{50} que não tendo ainda pronunciado o quarto voto, quizessem despir o habito; todos os seus bens foram postos em deposito.[3]

A execução seguiu o decreto, e perto de 600 jesuitas, de todas as idades foram no meio de soldados, embarcar nas margens do Tejo no S. Nicolau que em sete dias os levou a Civita-Vecchia. A noticia da expulsão dos jesuitas, só chegou a Roma, a 2 de agosto, depois do papa ter mandado um correio extraordinario a Portugal com quatro despachos para o nuncio o cardeal Acciajuoli; o primeiro era dirigido ao presidente do conselho de Consciencia e das Ordens que permittia a este tribunal o entregar ao poder secular os jesuitas convencidos de conniventes no attentado, mas este breve nada dizia com respeito ao futuro, como queria Pombal. O segundo era uma carta do papa para o rei, na qual appellava para os seus sentimentos misericordiosos pedindo-lhe a vida d'aquelles ministros do altar, que eram mais miseraveis do que criminosos.

Na segunda carta o papa manifestava ao rei a dôr do seu coração despedaçado e inquieto rogando-lhe que não expulsasse os jesuitas e de fazer continuar a visita e reforma ordenada por Benedicto 14; são estes os sentimentos, dizia elle, que me dicta o meu amor pela justiça e pela verdadeira gloria de V. Magestade. O quarto despacho era uma memoria do papa para Carvalho; sustentava n'ella os termos da primeira dizendo que toda a ampliação dada a esta consecção seria considerada contraria ás immunidades eclesiasticas e attentatorias ás suas prerogativas. Estas foram as causas determinativas da ruptura com a côrte de Roma, porque Carvalho sem mais demora tomou a resolução definitiva. Vendo-se livre da pressão da S. Sé poz em pratica todas as medidas que tanto o preoccupavam. Conseguiu que a França e Hespanha se lhe ligassem pedindo a extincção da Companhia. Foi então que a fecunda imaginação de Pombal se desentranhou em medidas sem numero. Por toda a parte se estabeleceram escolas em boas condições, tanto primarias como secundarias. A elle se deve a organisação séria e util da Universidade, prohibiu os compendios em uso, por nocivos, e substituiu-os por outros convenientes; creou a escola do Commercio, fundou o Collegio dos Nobres, decretou a liberdade para todos os escravos que pisassem o solo de Portugal, complemento precioso das sabias medidas contra a escravidão das colonias como que se tornára celebre logo no principio da sua elevação ao poder. Todos os grandes estadistas, sob qualquer forma de governo que seja, se sentem arrastados por impulso irresistivel a introduzir nas suas leis a philosophia, a religião,{51} e a liberdade. O marquez de Pombal foi quem apesar de governar pelo systema absoluto implantou a liberdade no nosso paiz.

Foi elle que creou o Conselho de fazenda fazendo convergir ao thesouro publico todos os impostos. Um acontecimento que Pombal não esperava veio crear-lhe novas complicações. A 16 de março de 1762 o enviado de França Jacob O. Dune e o de Hespanha Torrero com ordens e instrucção da côrte de Madrid, apresentaram ao ministro dos Negocios Estrangeiros de Portugal, o memorandum que principiava pedindo a alliança offensiva e deffensiva do nosso rei contra os inglezes; Pombal fez responder que so poderia guardar a neutralidade, por que sendo nós alliados da Inglaterra com quem mantinhamos relações estreitas e amigaveis, não podiamos sem ter recebido offensa, fazer-lhe guerra, que mesmo Portugal enfraquecido pelas adversidades por que passára, não devia expôr seus filhos a soffrer consequencias que não poderiam supportar, mas que o rei offerecia a sua mediação para o restabelecimento da paz. A resposta a esta, foi impolitica e grosseira e declararam as duas potencias que bom, ou mau grado do rei de Portugal, as tropas hespanholas aqui entrariam e que ao rei ficava o direito de as considerar como amigas ou inimigas. Indignado com esta conclusão que nem era justa nem acceitavel, Pombal insistiu na sua primeira resposta accrescentando que S. M. Fidelissima gastaria até a ultima telha do seu palacio para se deffender e que os seus subditos derramariam até a ultima gota do seu sangue, mas que não sacrificavam a honra da corôa e da nação. Foi declarada a guerra e pedidos os passaportes que Carvalho lhe promptificou dizendo-lhe que logo comprehendera que as côrtes de Madrid e Versailles ao assignarem o Pacto de Familia era já com tenção de fazer de Portugal theatro da guerra caso se recusasse entrar no accordo. De facto a 30 de abril entraram os hespanhoes, a França declarou-nos tambem a guerra e a despeito do artigo VI do tractado de Vienna d'Austria os portuguezes residentes em França foram mandados sair em 15 dias perdendo os seus bens a favor da corôa.

O exercito, que não chegava a 8:000 homens, estava em pessimas condições, não tinham nem munições, nem fardamentos, as praças estavam desmanteladas e desguarnecidas.

O Marquez com pasmosa tranquilidade fez desapparecer todas as difficuldades. Com incrivel rapidez organisou um exercito de 50:000 homens, e appareceram uniformes e munições em abundancia. Para governador d'Elvas foi o conde de Unhão, D. João de Lencastre para o Minho, Marquez de Louriçal para o Algarve, e D. Rodrigo de Noronha, irmão do marquez de Marialva, e grande militar, foi chamado á capital e nomeado tenente general. Os hespanhoes{52} traziam 40:000 homens que foram derrotados e em 1763 concluiu-se finalmente a paz em Fontainebleau declarando o art.º 21 do mesmo tratado o que se segue: As tropas Francezas e Hespanholas evacuarão sem reserva alguma todos os territorios, campos, cidades, praças e castellos de S. M. F. na Europa que possam ter sido conquistadas, com a mesma artilheria e munições de guerra que n'ellas acharam; quanto ás colonias, se tiver havido alguma mudança na America, Africa ou India todas as cousas serão postas como estavam na conformidade dos tratados que existiam entre as côrtes de França, Hespanha, e de Portugal antes da guerra.

A este tempo chegaram seis mil homens d'Inglaterra que se juntaram aos nossos 50 mil. Foi restabelecida a paz. Como Richelieu, o ministro procurou sempre devolver ao rei toda a força que tirava ao clero. Portugal deve a Pombal medidas que lhe dão direito á gratidão e admiração de todos os portuguezes, taes como as de 20 de julho de 66, de 9 de setembro de 69 e a de 3 de abril de 1770, a primeira sobre testamentos. A morte do rei em 1777 veio por fim á sua carreira brilhante. Durante a doença do rei a regente D. Marianna senhora tão boa como sagaz nada alterou apesar da boa vontade dos inimigos do Marquez principalmente o cardeal Cunha a quem o ministro protegêra sempre. Aos 20 de fevereiro depois de longo soffrimento a vida do rei extinguiu-se tendo sessenta e dois annos. N'esse dia o ministro foi como costumava informar-se do estado do rei, e o Cardeal adiantando-se deu-lhe a fatal nova com sinistra alegria e ajuntou: «Nada mais aqui tendes que fazer; as vossas funcções terminaram.»

O marquez só lhe respondeu com um olhar de profundo desprezo. O seu espirito esclarecido de ha muito previra a sorte que o esperava. O rei nascera com as qualidades de coração e de espirito que fazem os monarchas independentes. Tinha a intelligencia clara e era justo, mas a sua principal gloria vem-lhe de ter sido o rei de um tal ministro. A rainha principiou o seu governo pelos actos que são mais gratos ao coração. Principiou perdoando, em nome de seu pae. O marquez continuou a ser ministro apesar de não gosar da confiança da rainha. Comprehendendo a sua falsa posição instou muito tempo pela sua demissão, allegando os seus longos serviços, avançada edade e enfermidades. Afinal conseguiu que a rainha julgasse a proposito dar-lh'a, e a primeira pasta que se lhe tirou foi a das finanças em que mais serviços prestara, deixando no thesouro que encontrara vasio, 80 milhões de cruzados, eloquente cifra que attesta a excellencia da sua administração. Eis o decreto:—«Em consideração da alta e singular estima que o rei meu pae (que Deus tenha em gloria) teve sempre pela pessoa do marquez de Pombal{53} e a pedido do dito ministro que me pede a permissão de se demittir de todas as funcções com que está sobrecarregado, allegando que a sua edade e muitas enfermidades lhe não permittem continuar ao meu real serviço; em attenção ao seu pedido lhe concedo a dita permissão, mas conservando-lhe em quanto viver o direito ao rendimento que lhe competia como Secretario de Estado dos Negocios do reino, ajuntando a isso por graça especial os rendimentos das commendas de S. Thiago de Braga e da de Christo que se acha vaga por morte de Francisco de Mello e Castro. Feito no paço da Ajuda 14 de março 1777.» Os termos lisongeiros e a graça que as acompanhou foi derradeira homenagem da rainha ao ministro e amigo de seu pae. O marquez retirou-se para Pombal e ahi ficou depois desterrado por ordem da mesma rainha, soffrendo por todos os modos e fallecendo depois minado de desgostos pela ingratidão; eis o seu epitaphio:

 

AQUI JAZ
SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E MELLO,
MARQUEZ DE POMBAL, MINISTRO E SECRETARIO DE ESTADO
DE D. JOSÉ I
REI DE PORTUGAL;
O QUAL REEDIFICOU LISBOA,
ANIMOU A AGRICULTURA,
ESTABLECEU AS FABRICAS,
RESTAUROU AS SCIENCIAS,
ESTABLECEU AS LEIS,
REPRIMIU O VICIO,
RECOMPENSOU A VIRTUDE,
DESMASCAROU A HYPOCRISIA,
DESTERROU O FANATISMO,
REGULOU O THESOURO REAL,
FEZ RESPEITADA A SOBERANA AUTHORIDADE;
CHEIO DE GLORIA
COROADO DE LOUROS
OPPRIMIDO PELA CALUMNIA,
LOUVADO PELAS NAÇÕES ESTRANGEIRAS:
COMO RICHELIEU
SUBLIME EM PROJECTOS,
IGUAL A SULLY NA VIDA, E NA MORTE:
GRANDE NA PROSPERIDADE,
SUPERIOR NA ADVERSIDADE,
COMO FILOSOPHO,
COMO HEROE,
COMO CHRISTÃO,
PASSOU Á ETERNIDADE.
NO ANNO DE 1782
AOS 83 ANNOS DE IDADE
E NO 27.º DA SUA ADMINISTRAÇÃO.

 

[1] «Homens assim são elevados ao poder e a mandar, quando a Providencia tem em vista beneficiar uma nação. Á sua voz surgem: a Ella devem a habilidade de bem dirigirem o golpe, o vigor para o vibrar, a pericia para exercer a autoridade, e o poder com que vencem uma crise em hora de decissivas trevas.»

[2] Montesquiou.

[3] Arch. dos Negocios Estrangeiros de França, v. LLXXXVI fl. 164.






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e Biographia do Marquez de Pombal, by Josefina Pinto Carneiro Perestrelo

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