The Project Gutenberg EBook of Na Guella do Leão, by António Maria José de Melo Silva César e Meneses This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.net Title: Na Guella do Leão Author: António Maria José de Melo Silva César e Meneses Release Date: May 6, 2009 [EBook #28707] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NA GUELLA DO LEÃO *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) NA GUELLA DO LEÃO _CONDE DE SABUGOSA_ NA GUELLA DO LEÃO LISBOA TYPOGRAPHIA E STEREOTYPIA MODERNA _11, Apostolos, 11_ MDCCCLXXXVII _Tiragem especial de 45 exemplares em papel Japão_ I Quando o leão de purpura dos Silvas perder a sua lingua negra acabará a familia a que vaes pertencer prophetisára o Roque a uma das suas netas, na vespera do casamento, uma noite de luar coado a custo pelas abobadas do espesso arvoredo n'uma das avenidas da quinta de Bellas. O Roque nunca mentira. Nas suas apparições pelo parque ensinava o paradeiro de thesouros escondidos, annunciava o advento de desejados herdeiros, denunciava os culpados que compromettiam com roubos os creados fieis, e diz-se até que consolára alguns corações com indiscretas confidencias. Se era alma penada (e era decerto, pois assim o affirmam auctoridades de que não é licito duvidar) a ninguem mettia medo. Sobrinhas e netas chamavam por elle, sem o menor arripio de terror, quando ouviam a sua voz auctorisada, sem estremecerem quando avistavam a barba branca e comprida do velho ministro do sr. D. Pedro II. Aquella prophecia fôra para a familia dos Silvas, na qual a neta de Roque Monteiro casára, como um threno biblico crédor de toda a fé. E perpetuára-se na tradicção. Ora n'aquella manhã o leão rompente em campo de prata do escudo esquartellado, fecho do arco em madeira entalhada da capella-mór d'um antigo palacio do bairro de S. Vicente, perdera a lingua negra que o irreverente caruncho amputára. Foi a velha Brigida quem tal descobriu. Quando fazia as suas orações, depois de ter baixado sobre o lagedo os olhos humilhados perante a divindade, ia levantal-os ao ceu na invocação da Ave Maria; a sua vista porém parou aterrada na contemplação do escudo truncado, e a Ave Maria gelou-se-lhe nos labios. Realisára-se a prophecia do Roque. Ou o sr. D. Carlos o unico representante d'aquella casa ia morrer, ou se preparava a ultima derrocada tão annunciada pelas successivas catastrophes dos ultimos annos. Levantou-se inquieta e assustada e tão preoccupada ia que, ao passar pela grande casa de espera de ladrilho esburacado, azulejada até á altura de um homem, e de cujo tecto, escurecido pelo tempo, pendia um merencorio lampeão, pegou inconscientemente n'um maço de cartas do correio que se achava sobre um dos bancos, unica mobilia do vasto casarão, e com um andar apressado, quanto lh'o permittiam os annos e o rheumatismo, dirigiu-se ao quarto de Carlos. Este passeava fumando um charuto, de _paletot_ abotoado, e ainda com a gravata branca que atára na vespera. Quando a velha aia que o creára abriu a porta, voltou a cabeça interrogativamente, quebrando o fio da ideia que o preoccupava. --Quer alguma coisa, Brigida! Esperando vêl-o na cama, morto talvez, em cumprimento da prophecia, estacou indecisa entre a satisfação de encontrar vivo, e a curiosidade do motivo que áquella hora, 10 da manhã, o tinha ainda levantado. Carlos repetiu a pergunta, e quando ella lhe explicou a causa da sua afflicção, interrompeu-a com um sorriso affectuoso. --Não se enganou talvez a prophecia, tia Brigida. Não morro eu, mas vende-se esta casa, hoje, em praça. O Roque teve razão mais uma vez. --Então sempre é certo! Olhe, menino, ou eu me engano muito, ou aqui anda mais alguma pouca vergonha do tal senhor que o anno passado comprou as Torreiras, e que, quando aqui veiu entrou na capella de chapéu na cabeça. Emfim já nada extranho. Desde que, puzeram os frades fóra dos seus conventos não admira que ponham os fidalgos fóra das suas casas. E o menino que tenciona fazer? --Ninguem me põe fóra, Brigida. A casa é vendida como foram vendidas as Torreiras e o resto, para pagar as minhas dividas, e as deixadas por... Você sabe muito bem que quando meu pae morreu... --Sei muito bem, sei. Seu pae acreditou que se podia fazer d'um marquez um negociante como se faz agora d'um negociante um marquez. Deus lhe perdõe que as suas intenções eram boas, assim fossem os que o rodeavam. Mas o que passou está passado. E o menino que tenciona fazer?--interrogou de novo dissimulando a custo a grande parte que o seu coração tomava na resolução de Carlos. O beiço tapetado de abundante buço tremia ligeiramente, o mirrado peito atravessado por um lenço branco arfava offegante, e atraz dos vidros dos oculos fixos os olhos traduziam interrogações anciosas. Carlos demorava a resposta com receio de desgostar a pobre velha a quem queria sinceramente. --O que conto fazer? Com o que me resta, que não é muito, difficilmente vivo em Lisboa, onde além d'isso a familia que tenho, julga poder arrumar-se, como d'antes, ao morgado. Vou lá para fóra comsigo, se me quizer acompanhar. --Peça-me tudo o que quizer sr. D. Carlos, exclamou ella visivelmente aterrada com a ideia. Exija-me a vida que de boa vontade lh'a dou para não vêr vender esta casa. Mas ir lá para fóra na minha idade, é atirar comigo á cova. E depois nunca me hade esquecer a desfaçatez com que aquelles malditos dos francezes, quando estive em Paris com a sr.ª marqueza me chamavam estrangeira..., a mim uma legitima portugueza. --Então mais tarde fallaremos, atalhou Carlos. Se não me engano tem ahi o correio, e esquecia-se de m'o entregar. A velha Brigida entregou-lhe as cartas, jornaes e revistas. E arrastando-se pesarosa, sahiu resmungando: Deixar esta casa nunca! nem á força! Carlos passou pela vista as cartas. Entre ellas, uma que suspeitou ser de mulher, dispertou-lhe a curiosidade. N'uma lettra ingleza corrida, como a de todas as senhoras educadas nas Salesias, o bilhete dizia apenas: «Alguem que se interessa por si, pede-lhe que suspenda a venda de sua casa durante seis mezes.» Tolice! pensou Carlos. Se não a suspenderia se podesse! Se o credito de Silva Mattos não excedesse já o valor pelo qual o antigo palacio lhe fôra hypothecado, consentiria que alguem fosse dormir no quarto em que seu pae morrera, profanar a capella em que sua mãe resára, transformar, Deus sabe em quê, as salas onde havia ainda um ar de grandeza, apesar da avessa fortuna dos ultimos cincoenta annos? Presentia a má sorte d'aquella casa, para si tão querida, construida como era, com frequentes degraus pelos corredores escuros, exiguidade dos quartos subordinada á magnificencia da bem lançada escadaria, vastidão dos salões. Pela falta de nexo nos diversos corpos do palacio cujo primitivo plano se adivinhava na disposição do portão nobre communicando com um pateo, centro de duas grandiosas azas dos quaes apenas existia a da esquerda, sentia que o futuro possuidor trataria sem dó a caracteristica incongruencia do vetusto edificio. A ousadia do primitivo projecto incompleto na execução, as modificações que as successivas gerações foram introduzindo segundo as suas necessidades, caprichos, alternativas de fortuna, e gosto das epochas, o seu aspecto digno na velhice, triste no quasi abandono, o destino que o esperava, tornavam de facto essa casa a imagem da raça a que tinham pertencido seus donos; e a sua historia acompanhava nas vicissitudes d'aquella familia, os explendores e decadencia d'uma classe ora forte e poderosa, ora abatida e arruinada. Carlos não era como seu avô um intransigente, nem como seu pae, um crente na transformação da força da classe a que pertencia pelos modernos processos da industria e da finança. Via claramente a onda do individualismo que subia submergindo todos os que pela revelação d'um caracter, pela manifestação do talento, ou pelo genio da intriga não conseguiam romper. Herdára com o sangue o espirito de raça, e o orgulho que só póde dar o dever de conservar limpo um nome antigo. Na educação bebera todo o sentimentalismo pelas ruinas da antiga grandeza, toda a poesia da tradicção. Esse sentimento comtudo não fizera d'elle um misanthropo, nem lhe tirára a flexibilidade do espirito, porque condensára todo o orgulho n'alguns principios com os quaes não transigia, porque materialisára toda a vaga saudade do passado na posse d'aquella casa que para elle significava o cofre onde guardamos tudo que nos resta de uma felicidade que já acabou. Por isso perdel-a era-lhe tão penoso, como se perdesse d'uma vez a sua familia, e o seu nome. E havia uma mulher tão ingenua que lhe pedia que impedisse a sua venda! Quem se interessaria?... Duas pancadas na porta do quarto vieram quebrar-lhe o fio das interrogações. Abrindo, estacou admirado ao vêr a figura elegante d'uma senhora, como uma resposta viva dada ao problema que o intrigava. --N'esta casa Mathilde? No meu quarto? exclamou Carlos entre contrariado e confuso com a inesperada visita. --Parece-me que a nossa intimidade me dá direito a procural-o sem mais avisos, respondeu. Ha tres dias que o não vejo. Julguei-o doente, e vim. Incommodo-o? Foi isto dito com um sorriso tão cheio de provocações, envolviam-n'o em tanta ternura os olhos azues que se abrigavam sob as sobrancelhas desenhadas em negro, como uma aza d'andorinha, a cabeça enquadrada no velludo côr de chumbo do chapéu inclinava-se tão graciosamente sobre o hombro direito n'um gesto d'ave que escuta, no simples justilho do mesmo velludo as linhas curvas do seu busto ondulavam com tanta commoção, que não havia preoccupação que desculpasse em Carlos um movimento de impaciencia ou contrariedade. A viveza do olhar de Mathilde tão discutido nas salas, tão acclamado pelos homens a quem o contraste com o encrespado cabello negro seduzia, nunca o fascinára nem lhe penetrára no coração. Mas a feminilidade que envolvia aquelle corpo soberbamente modelado n'uma atmosphera em que ninguem respirava impunemente, invadira-lhe as veias como um philtro agitador de todo o seu sangue. E a incondicionalidade com que se lhe entregára a encantadora viuvinha, sem exigir d'elle um juramento, sem quasi reclamar direitos como quem concede uma volta de walsa, a alegria com que o seu riso leve e o seu espirito levissimo tinha o segredo de perfumar os capitulos ligeiros d'aquelle romance nunca interrompido por uma lagrima de despeito, ou escurecido por uma scena de ciume, enchera-o de reconhecimento e dera-lhe do amor, a elle que nunca o conhecera, a ideia com que o definiu Chamfort--_L'echange de deux fantaisies, le contact de deux epidermes._ --Mas que imprudencia! continuou elle pegando-lhe na mão, já despida da luva, e em que brilhava uma chuva de diamantes e saphyras encastoando os torneados dedos. Vir aqui a esta hora! Que assumpto para as linguas do mundo! --E com a minha carruagem á porta--accentuou ella. Preocupa-me tão pouco a opinião da sociedade a meu respeito que não lhe sacrifico um unico capricho. Alem de que, o mundo não é má pessoa; ralha muito na ausencia mas na presença sorri com tão bom modo, que se lhe perdoa a intriga a que é forçado por falta de assumpto. E com a vista curiosa corria todo o quarto, interessando-se pelas panoplias que enfeitavam as paredes, perguntando os nomes dos auctores das espingardas de caça que se enfeixavam nos cabides e das quaes ensaiava a pontaria sem embaraço, desprendendo as facas de matto para lhes examinar os lavores. Fumava nos cachimbos turcos, segurando com as mãos ambas os compridos tubos, envolvia-se na pezada manta alemtejana companheira das caçadas, traçando-a sobre o hombro com um gesto aciganado, tirava o seu chapéu para, deante do espelho, ageitar com um sorriso gaiato um chapéu de feltro enfeitado com uma penna de perdiz, contente por se saturar da vida de Carlos, por surprehender a sua intimidade. Sobre o largo buffete servindo de secretaria, inclinou-se com curiosidade, deixando vêr com o dobrar gracioso do corpo, os dois pés e o prolongar das botas acima do calcanhar. As duas linhas do busto descahiam tão suavemente pelos hombros, e formavam desde os braços á cintura um tão obtuzo V, de cuja vertice sahiam as curvas das ancas triumphantes, que pé ante pé Carlos approximára-se, e fazendo das duas mãos um cintilho, dispunha-se a embrenhar o seu bigode no emmaranhado frouxel da appetitosa nuca, quando a vista incidiu no olhar severo do retrato de sua mãe, que na parede fronteira parecia franzir um doloroso sorriso cheio de censuras. Emquanto as mãos paralysadas desprendiam a cinta, que apertavam, outra bocca se voltava como um iman vermelho em busca do beijo perdido. Deante porém da expressão do olhar de Carlos, Mathilde corou levemente e perguntou irreflectida: --É sua mãe! --É--respondeu seccamente. Ella então com a vaga intuição do que se passára no espirito de Carlos, referiu-lhe que duas vezes n'aquella manhã apparecera já um ponto negro no ceu, até ahi tão limpo da sua felicidade. Quando entrára uma velha, a quem pediu que lhe indicasse o quarto d'elle, olhára-a com mal dissimulado desprezo. Pensára então que se o seu coração não tivesse voado tão levianamente á teia dourada em que se embaraçou, talvez hoje podesse entrar n'aquella casa pela braço d'elle com o seu nome. Sentia agora bem que nem um dos beijos que d'elle recebia podia ser trocado deante d'aquelle retrato. Muito embora! Nunca se arrependeria porque lhes devia as horas mais completas da sua vida... Aquella casa porém dava-lhe infelicidade. --Será enguiço, superstição, presentimento. Será! E acrescentou: Diga-me. Quer muito a este velho casarão? --Não sabe como lhe quero? Com que intenção veio então hoje aqui? Com que fim me escreveu esta carta? E apresentou-lhe o bilhete que recebera. Pelo espanto da encantadora viuva, pelo veu de tristeza que lhe passou na cara, desfazendo as covas que o habito do riso lhe cavára nas faces, pelo morder dos beiços mais de molde para caricias de amor do que para impetos de despeito, Carlos comprehendeu a imprudencia que commettera mostrando aquella carta. --Nem a letra me conhece já! disse Mathilde com tristeza. E com a emoção d'uma ideia subita:--Pois bem, imagine que fui eu que lhe escrevi essa carta e conceda-me o enorme prazer de lhe evitar um desgosto. A minha fortuna... --Por Deus não continue, interrompeu Carlos tornando-se pallido. Avalio a generosidade do seu offerecimento imprudente, mas peço-lhe que me evite o dissabor de recusar uma esmola. Escripto por mão annonyma esse bilhete vae esquecido para o cesto dos papeis velhos. Mas se eu a escutasse, a si, Mathilde, sem um protesto, desceria no seu conceito, desceria no meu, dava direito á sociedade a que trocasse o nome que tenho por outro, que a litteratura franceza consagrou para resumir todo o desprezo por uma classe. Estimaria que ámanhã alguem apontando-me com o dedo me chamasse: Monsieur Alphonse? Emquanto Carlos passeiava d'um extremo ao outro do quarto, Mathilde deixou-se cahir n'uma cadeira, e com a cabeça encostada á mão esquerda, e os dedos internados no cabello negro por entre o qual os anneis coruscavam brilhantes, disse vagarosomente, separando as palavras, como se fallasse a si mesma: --Um dia toma-se de assalto o coração de uma mulher que o não defende... e o orgulho lisongeia-se. Acceita-se d'essa mulher... o que para ella é ainda mais valioso que o proprio coração... e o amor proprio não se revolta. Com o pretexto de que essa mulher tem umas mãos de princeza cobrem-se-lhe os dedos de joias.. e a isso não se chama uma esmola. Mas se ella, consultando só o proprio sentimento, mostra desejo de com a sua fortuna, aquillo que menos preza no mundo, evitar um desgosto a quem mais sinceramente estremece, então o orgulho convencional revolta-se por tão grande atrevimento, e não se hesita n'um feroz movimento de egoismo em atirar a essa mulher com o epitheto pouco decoroso de... Carlos tentou calmal-a. A propria agitação, porém, causada pela excitação da noite passada em claro, pela preoccupação que o absorvia, pela difficuldade de moderar aquella phantasia feminina, onde um primeiro grão d'areia começava talvez a formar a montanha do ciume, dava as suas palavras na intenção conciliadoras o tom decidido de recusas terminantes. --É ponto decidido, concluio elle. Antes porém de terminarmos de vez a conversa sobre este assumpto deixe-me contar-lhe uma historia. Conhece talvez a ameaça prophetica d'um de meus avós acerca do fim de minha familia. A um signal affirmativo continuou: --Quando eu era pequeno um santo capellão obrigava-me a ler o velho testamento. Ha n'aquelle livro, o livro dos Juises, e apontava para um grosso in-folio apertado entre outros na estante de carvalho, um heroe em cuja vida, como na minha, apparecem um leão e uma mulher. Um dia que Sansão seguia o seu caminho, matou o leão feroz que ameaçava devoral-o. Poucos dias mais tarde da guella escancarada d'esse animal extrahia um doce favo de mel. No banquete de suas nupcias apresentou o seguinte enygma aos moços philisteus que o rodeavam: «Da ferocidade tirei o alimento, da fortaleza a doçura. Dou 30 tunicas a quem isto decifrar.» Ao setimo dia as lagrimas de sua mulher tinham-lhe arrancado o segredo. Elle então cheio do espirito do Senhor cahiu sobre Ascalão e matou trinta homens, cujas tunicas foram entregues aos philisteus. Mais tarde adormecendo no regaço de Dalila achou-se ao acordar tonsurado, fraco, despresivel, cahido nas mãos dos seus inimigos. Eterna lição para aquelles que se deixam embalar e adormecer ao som enervante da voz d'uma mulher ainda a mais sinceramente dedicada! Não trouxe esta historia para lhe fazer a affronta de a comparar á lendaria sereia do forte e ingenuo nazareno. Mas approximando os dois casos prefiro tirar da guella do leão rompente a força para vencer, do que entregar-me ao riso dos philisteus de Gaza acorrentado pelas mãos d'uma mulher adoraveis e adoradas, e em vez de traiçoeiras como as da perfida do vale de Sorec, generosas e boas como as suas. E segurando-lhe ambas deu-lhe um prolongado beijo na testa pensativa, e nos olhos onde as lagrymas começavam a tremer. Sem querer, inconscientemente commovia-o o sentimento que encontrára onde até então apenas suppunha capacidade para o prazer. Mathilde retirou as mãos, desviou a cabeça, e com um sorriso triste: --Tambem conheço a historia de Sansão. E que differença! Sempre que a lia, nada me impressionava tanto como a grandeza do amor d'aquelle homem. Achava-o tão nobre adormecendo nos joelhos de Dalila cuja traição conhecia, indifferente á miseria que o esperava, e adorando-a apesar de tudo!... que me pareciam bem pequenos os que calculam até que ponto as leis sociaes lhe permittem que chegue o coração. Adeus! Oxalá que a mão que escreveu esta carta (e atirou com o papel amarrotado sobre a mesa) não lhe esmague mais do que a minha o seu orgulho. E sahiu apressada, sem esperar que Carlos a acompanhasse. Ouviu-se o bater das ferraduras dos cavallos sobre a calçada do pateo, e o rodar da carruagem afastando-se pela estreita rua das Escolas Geraes. Minutos depois, das janellas do seu quarto voltado para ao occidente, Carlos viu passar lá em baixo, junto ao edificio monotono e triste do Terreiro do Trigo, a _victoria_ puxada a trote largo. Pelos passeios os que voltavam a cabeça para vêr aquella mulher formosa, passar, como levada n'um triumpho de riqueza e de bom gosto, não suspeitavam o doloroso confrangimento do seu coração, a tempestade do seu pequenino e amoroso cerebro. II Ao jantar que n'esse dia deram os condes de Ponte Nova, Carlos ficou collocado entre uma senhora velha, parenta proxima d'um ministro, e a filha unica do banqueiro Silva Mattos, que pela sua belleza, e principalmente pela importancia do dote provavel, era chamada a _sorte grande_, quando passava pelo Chiado ao lado de sua mãe n'um _landeau_, aberto como uma melancia madura. Por indicação da dona da casa, sublinhada por um sorriso intencional, dera-lhe o braço para a conduzir. Na sua frente, entre duas largas corbelhas de prata lavrada, d'onde emmergiam montanhas enormes de flores silvestres, avistava o perfil risonho de Mathilde conversando com um francez que não conhecia, e que estava achando profundamente antipathico, e quasi insolente na intimidade que affectava no dialogo. Tratou de indagar da sua visinha da esquerda quem elle seria. --Provavelmente um estrangeiro, respondeu a velha. A intelligencia e perspicacia que a resposta revelava inclinou-o para a direita, dirigindo a mesma pergunta. --É um engenheiro francez, socio de meu pae na empreza d'um cabo transatlantico, explicou-lhe a filha do banqueiro, córando desde a orla do decote á raiz dos cabellos d'um louro cendrado. Carlos reparou então na extraordinaria correcção d'aquella belleza que lembrava vagamente os retratos das patricias venezianas, na frescura da sua pelle, na suavidade do olhar escuro e avelludado, na expressão serena e meiga tão em harmonia com a voz de contralto, funda, arrastada, caridosa... Involuntariamente, com um pensamento malicioso, comparou a distincção d'aquella rapariga com a physionomia vulgar do banqueiro, gordo e de testa pequena, beiço superior rapado, maçãs de rosto proemientes, com uns pequenos olhos vivos onde apparecia um lampejo de penetração, aguçada pela faina constante do manejo de capitaes. Procurou depois com a vista, em procura d'uma affinidade, a mãe, doce creatura insignificante, silenciosa e passiva, cujo pequeno dote nas mãos habilidosas do marido tinha sido a primeira semente da grande fortuna. E voltando de novo a olhar a sua visinha, tão superiormente bella, com o seu ar original de altivez rendida, pensou: --E é capaz de ser intelligente. De facto na conversa era attrahente, interessante, sem pretensões nem laivos de erudição de convento dos _Oiseaux_, onde lhe contou que estivera dois annos, depois de sahir das Salesias, e onde, sem o conhecer, fallava muito a seu respeito com uma prima d'elle que ali estava a educar. A attitude do francez cortou a conversa, despertando de novo a attenção de Carlos. Mathilde pegára distrahidamente n'um dos ramos de violetas, que, por sobre a fina toalha adamascada em extenso cordão, circumdavam as trabalhadas serpentinas, os crystaes reluzentes, as acastelladas pyramides de fructas temporãs, o perrexil e conservas em custosos covilhetes da India, e o soberbo centro, uma nympha surgindo vencedora das ondas, e sustentando com um braço sobre a cabeça uma larga salva de crystal da Bohemia. Emquanto a appetitosa viuva aninhava as violetas entre o seio, e as rendas negras do vestido, o francez curvava-se, abaixando a voz n'um quasi segredo equivocamente madrigalesco, que pareceu a Carlos tel-a contrariado. Conteve a custo uma phrase que castigasse o atrevimento. Lembrou-se porém que nenhum direito podia ter sobre os actos de Mathilde, e entre os dedos nervosos sentiu-se estalar a casca d'uma noz. Entretanto a conversa generalisava-se, incidindo sobre a febre que se apoderára da Europa pelas coisas d'Africa. O engenheiro, que percorrera uma grande parte da costa occidental, fallava com enthusiasmo na perspectiva brilhante das emprezas europeas, exploradoras das riquezas escondidas no mysterioso continente. --Ali está, disse uma senhora referindo-se a Carlos, quem não se deslumbra com a vida das roças, com a poesia das mucamas, nem com as côrtes requintadas dos regulos e dos sovas. --Peço perdão, minha senhora, atalhou elle, para mim a Africa é hoje o unico _sport_ tentador d'um europeu. As caçadas, as corridas, as proprias toiradas perderam todo o seu encanto. A civilisaçáo aperfeiçoou tanto as espingardas de precisão que não ha meio de errar um innocente faisão, um innoffensivo veado, nem se affronta o menor perigo em atacar um javali; apurou de tal modo as raças corredoras que dentro em pouco todos os cavallos correrão egual numero de metros em egual numero de segundos; e finalmente estragou de todo as toiradas desde que minusculisou o M dos Marialvas adjectivando a palavra e reduzindo-a a synonimo de _faia_. A India transformada pelos inglezes em magica do Alhambra, e banalisada pelos romances de Mery não encerra o mais pequenino mysterio, nem, como no tempo d'El-Rei D. Manuel e de nossos avós, nos póde enriquecer com a pimenta, o cravo, a canella, o açafrão e o almiscar. A Africa, só a Africa nos resta. E logo que os paquetes da carreira tenham um cosinheiro supportavel penso em fazer as malas, pôr na cabeça o capacete de feltro, e untar os fechos da minha carabina. Maria a filha do banqueiro que o escutára attenta, perguntou-lhe com um leve tom de ironia: --E leva comsigo a velha Brigida? --Como sabe, interrogou Carlos a meia voz, que entre as reliquias do passado, que me pertencem, existe essa preciosa creatura? --Não lhe disse já que houve um tempo em que fallei muito de si! --De modo que, sem eu o saber, a minha humilde pessoa occupava a imaginação das duas mais bellas educandas d'um convento de Paris?! --Que em pouco mais tinham que pensar do que em Telemaco e as suas aventuras, respondeu ella sorrindo, em quanto destacava uma a uma, com as mãos muito brancas, as pelliculas de uma tangerina. Mas a verdade é que o adorava, apesar d'aquella apparente tranquillidade, do seu ar de estatua insensivel, da serenidade do seu porte de rainha coroada pela estriga loira d'uma roca de fada, o seu negro olhar enigmatico a que uma ligeira myopia dava o sabor irritante d'um problema irresolvido começava a intrigar Carlos, quando acabado o jantar a conduzia pelo braço. Voltando da sala, onde a deixou, sentiu no hombro a pezada mão do banqueiro que lhe dizia: --Interesso-me muito por V. Ex.ª. Carlos surprehendido pelo prologo _exabrupto_ inclinou levemente a cabeça num gesto de fria polidez. Silva Mattos bebendo vagarosamente o café cominou: Já me interessava por seu pae a quem muitas vezes tive occasião de o mostrar. Infelizmente porem elle não aproveitou as occasiões nem os conselhos que lhe dei. V. Ex.ª é um rapaz novo, tem diante de si um futuro brilhante, pode, querendo, tomar uma posição eminente e adquirir grandes cabedaes, o que, acredite-me, é a mola mais poderosa para a vida na sociedade em que vivemos. Para isso porem é necessario não se deixar levar por falsos orgulhos, acceitar o mutuo auxilio, sem o qual nada se faz, admittir as concessões de favores, indispensaveis em todo o negocio. Isolado é quasi impossivel conseguir-se alguma coisa. Soube hontem por minha filha que V. Ex.ª tinha um grande desgosto em desfazer-se da sua casa. Resolvi desde logo impedir que na praça tivesse comprador, e com effeito não foi vendida, porque desejava fallar comsigo a tal respeito. Porque não me procurou? É verdade que eu tencionava adquiril-a para a habitar, mas tudo se poderia harmonisar, porque com palavras é que a gente se entende. No grande campo das transacções a confiança publica e o favor dos governos representam um valioso capital. Ora V. Ex.ª tem direito a um logar na camara dos Pares, tem relações, pode ter influencia, e a sua reputação de severidade dá-lhe a confiança dos que temem comprometter-se. Todos estes elementos são aproveitaveis, e podem concorrer para assegurar o exito das mais arriscadas operações. O grande segredo na industria e na finança que, havendo esperteza devem andar sempre nas mesmas mãos, é a união. Juntas--as nossas forças podem em pouco tempo accumular milhões e da associação podemos fazer _uma familia_ (e prolongou intencionalmente esta ultima phrase); separados a--sua casa tem de voltar á praça brevemente, e eu não sei se encontrarei associado com quem tanto sympathise. Carlos, que, durante o confuso arrazoado do banqueiro mordera o charuto visivelmente impaciente, e irritado com o sentido que adivinhava n'aquellas palavras, com os dedos nas cavas do collete, as pernas abertas em compasso, e os sobr'olhos reunidos n'um vertice, perguntou-lhe n'um tom decidido: --Acabou? E a um gesto affirmativo acrescentou: --O contrato que o sr. Silva Mattos acaba de propor-me, não tem no Codigo Civil o nome de associação com que erradamente o baptisou, chama-se um contrato de compra e venda. N'este caso um outro codigo que segundo vejo desconhece, o que o torna irresponsavel, ensina a repellir as propostas insolentes e atrevidas. Tome no sentido em que quizer as minhas palavras, mas veja n'ellas a recusa terminante de me deixar despojar da dignidade, como infelizmente me vejo obrigado a abandonar tudo quanto me resta. E voltando-lhe as costas entrou na sala emquanto o banqueiro pondo a chicara do café sobre o marmore d'um tremó, encolhia os hombros n'um gesto de quem tira de si a responsabilidade d'um suicidio e abanava a cabeça, com o beiço inferior estendido murmurando baixinho: É tolo. Carlos pela força do habito sentou-se n'uma cadeira junto de Mathilde e só depois de ahi estar, lembrando-se da scena de manhã, ia levantar-se pedindo-lhe perdão, quando ella adivinhando a intenção lhe disse: --Fique, porque temos que fallar. Contou-lhe então que sahindo de casa d'elle resolvera, levada de um impeto de ciume, descobrir quem escrevera aquella carta, que dera logar a ouvir a condemnação cruel de todo o seu passado amor. Fallando, as suas palavras revelavam quanta paixão verdadeira se tinha escondido, e ainda agora existia sobre a frivola apparencia d'um capricho passageiro; quanto soffrera desde essa manhã. Agora porem que o caso lhe fizera descobrir a mão que, inconscientemente quebrára o fio doirado da sua leviana existencia, essa mesma mão lhe indicaria o caminho da unica vingança possivel, embora n'esta empreza esmagasse de vez o coração. N'este momento, dizia ella, uns olhos negros que o envolvem n'uma atmosphera de adoração estão-me silenciosamente revelando as torturas porque n'esta occasião passam, e que eu proprio por meu mal conheço tão bem? A differença é que elles podem olhar, para o futuro com o direito que lhes dá a innocencia, e a legitimidade do seu sentimento, e os meus só podem ver no passado a condemnação de todas as esperanças, e afastam-se com horror do isolamento futuro a que me condemnei. Um conselho de quem lhe quer muito...--continuou ella. Alguem, que não eu, pode talvez dar-lhe a felicidade completa, deixe que o braço que ainda ha poucos minutos se encostava ao seu, n'elle se ampare para toda a sua vida. Ella é boa segundo todos dizem, bonita como ninguem, tem no espirito sufficientes recursos para fazer esquecer os vicios d'origem... --Falla-me de Maria, a filha de Silva Mattos e affirma-me que foi ella quem esta manhã me escreveu aquella absurda carta. Talvez! Obedeceu as ordens do pae que acaba de offerecer-me a filha, e algumas centenas de contos, em troca do meu voto na camara dos pares, e de não sei que influencia, que imagina eu tenho. Não queira medir o coração dos outros pelo seu que é generoso e bom. Não utilise em favorecer as ambições d'um argentario e os caprichos d'uma pretenciosa, o sacrificio que faz, e que eu acceito, porque não posso com dignidade evital-o. D'ahi a momentos sahia, seguindo a pé pelas ruas tortuosas, estreitas e humidas, abobadadas com roupa estendida, desde a vespera, em cordeis esticados nas pontas de pequenos paus, que se fincavam nos peitoris das janellas. A velha Alfama dormia tranquilla e silenciosa como nas noites em que era acordada pelas danças, trebelhos e folgares do folião D. Pedro I, ou pelos rugidos e ameaças populares dos sequazes de Alvaro Paes contra a bella Leonor Telles. Apenas de alguma janella mal fechada sahiam as ultimas notas do fado repenicadas na guitarra por fadista estremunhado, em quanto nos cafés, á espera da madrugada, vultos dormiam de bruços sobre o marmore das mezas. E Carlos, com as mãos escondidas nas algibeiras do _paletot_, caminhava pensando na brutalidade da sorte que o perseguia. Com todas as qualidades que podem tornar um homem distincto, util a si e aos outros, elle, ligado de pés e mãos, não podia dar um passo que não parecesse o de um humilde sollicitador, não podia fazer um gesto que não se assimilhasse ao de estender a mão a uma esmola. E até se duas mulheres, bellas, novas e ricas, tentavam arrancal-o do caminho a que era impellido, achava-se na dura necessidade de as repellir quasi brutalmente para não parecer que se alugava aos caprichos da amante, ou vendia o seu nome á filha do banqueiro. Era comtudo bem a custo que desviava de si a generosa viuva tão deliciosamente apaixonada, e á qual elle sentia agora que o ligavam laços bem difficeis de desfazer, era com um ligeiro remorso que se recordava, de ter accusado, quasi sem fundamento, de cumplicidade com seu Pae, Maria, a dona dos tristes olhos pretos. E para quê, todos os sacrificios? Valeria a pena tanta isempção? Cedendo, teria a riqueza, o amor, a consideração publica, todos os caminhos abertos para a gloria, para o prazer, para a vida brilhante; resistindo, esperava-o o obscuro e ignorado destino dos que têem que trabalhar para viver. E qual a compensação? Parou um instante como a procurar a formula do sentimento que o agitava. Passados minutos, bateu com o pé no chão com um gesto energico, e terminando o monologo mental que trazia exclamou: A estima de mim mesmo, com todos os diabos! E continuou silencioso. Quando chegou a casa, e abrio a janella para a varanda, vinha rompendo o dia. Aos seus pés, na frente, para a direita, e para a esquerda, cahia em cascata até o rio pela encosta abaixo a casaria do velho bairro, alternando as largas manchas escuras dos telhados, com as brancuras do alvejar da cal. Ao longe, por detraz da linha tortuosa das montanhas da Outra Banda, o sol nascendo vinha tocar obliquo na superficie das aguas, que accordavam n'um arrepio, encrespadas pelo nordeste. O pontal de Cacilhas, como a quilha dum grande navio ali naufragado, rasgava a corrente suave da maré que baixava. As faluas, moscas negras poisadas no azul pardacento do rio dormiam ainda, indifferentes ao dia que subia, puxando, impellidas pela corrente, as cadeias que as seguravam. Dir-se-hia que todas as embarcações ancoradas, esquadra phantastica illuminada pela luz dubia da madrugada, eram impellidas pela força da agua descendente para as bandas da barra, escondida á direita pelo perfil anguloso da montanha. E o espirito de Carlos acompanhava-as naquella derrota ideal. O mesmo caminho tinham levado todos os seus avós! Por ali tinham seguido nas galés que iam á conquista do Algarb sarraceno; por aquella estrada á gloriosa tomada de Ceuta e de Tanger, e na esquadra que foi bloquear Sevilha, com o neto do genovez Pessagna. Por sobre aquellas aguas tinham seguido nas naus que buscavam a esquiva Atlantida, e os encantados dominios do Prestes João. Lá de baixo, do Restello, um dos seus partira nas naus que em busca da India dobraram o Cabo da Boa Esperança, outro na brilhante armada que ia atirar, levada na phantasia da sublime creança, a vida dos ultimos portuguezes da Renascença ás adustas areias de Alcacer Kibir. As fustas, galeões, bastardas, caraças e caravellas que, ou limpando as costas de Portugal dos atrevidos mouros, ou indo conquistar Ormuz, Goa, Malaca, implantavam o dominio portuguez no oriente, tinham levado alguns dos seus que illustrando o nome de sua familia o ligavam á historia da humanidade. O destino já agora impellia-o tambem por aquella estrada humida á mysteriosa e indecisa empreza de salvar varonilmente o seu nome da voragem em que ameaçava submergir-se! III O antigo palacio dos Silvas, fôra transformado n'uma banal e commoda habitação moderna. Apenas lhe conservaram as linhas geraes do edificio, e o brazão da porta de entrada, por coincidir com um dos appellidos do novo proprietario o nome da famillia que o possuira. Durante mezes, o martello dos carpinteiros echoou pelos corredores ainda ha pouco silenciosos, e deshabitados, a trolha dos pedreiros rebocou as fendas abertas pelo tempo nas velhas paredes, e a dos estocadores substituio pelos complicados lavores do gesso, a pintura um pouco desbotada das caracteristicas folhagens miudinhas nas paredes dos camarins, das allegorias mythologicas no tecto da casa de jantar. Cahiram os altos roda-pés carunchosos, foram arrancados os azulejos da escada, e as sedas empallidecidas da sala do throno. Tudo remoçado como velha matrona que se prepara para segundo cazamento! Rasgaram-se janellas, abateram-se antigas divisões, fez-se luz nos recantos obscuros, cortaram-se os degraus inuteis, introduziu-se nas paredes a teia miudamente ramificada dos encanamentos modernos, envidraçou-se a varanda, estucou-se de côres garridas desde a vasta cosinha lageada até á sala do baile. Cada manhã, quando o exercito de operarios entrava para o trabalho, era recebido no patamar da escada por uma velha que, ora em monosylabos aggressivos e phrases hostis, ora em supplicas humildes e lamentações chorosas tentava impedir-lhes a obra devastadora! Era Brigida, a creada que defendia aquella casa, d'onde nem as instancias de Carlos, nem as ordens do novo proprietario, nem as obras que tudo revolucionavam, nem as chufas dos operarios tinham conseguido expulsal-a. Agarrara-se com a tenacidade do mollusco ao casco d'aquelle velho navio a que a prendiam as raizes do coração, e a poderosissima força do habito de mais de sessenta annos. A grande catastrophe da sahida de Carlos, seguida pelo supplicio diario das transformações sucessivas que preparavam a profanação final--invasão do palacio pelos novos proprietarios--tinham-lhe pouco a pouco esmorecido o fraco e cançado cerebro que conservava apenas viva, forte, implacavel a ideia da defeza d'aquelle dominio, da resistencia ás innovações. Convencido da inutilidade dos esforços para a fazer sahir por bem, Silva Mattos consentira que a _velhota se accommodasse_, nos quartos do pateo; e os operarios habituaram-se tanto aos seus improperios que se alguma manhã tardava em apparecer iam provocal-a á porta dos seus aposentos. --Falta-nos cá hoje a maluca! E cada um ia procural-a, desafiando-a com grosseiras invectivas. Ella então tentava correr sobre elles com um sarrafo na mão tremula, insultando-os. Sentindo-se porém fraca, abatida, impotente, encostava-se a uma parede n'uma convulsão de choro, e as lagrimas cahiam uma a uma sobre o lenço branco do peito. E era tão sympathica e commovedora a sua dôr que todos se affastavam envergonhados, quasi contrictos, deante d'essa velha de cabello branco. Expulsos os legitimos senhores d'aquella casa, ficára ella, a incarnação da domesticidade dedicada que pelos habitos tradiccionaes era considerada _familia_ e que, como tal, se julgava incumbida por uma força superior de guardar intacto o sacrario das suas affeições, esperando talvez, que um poder sobrenatural lhe trouxesse das longiquas terras para onde lhe annunciava que partia em breve, Carlos, rico, poderoso, constituindo uma familia que perpetuasse a sua nobreza pelo mais afastado futuro, deixando-a a ella então morrer descançada na serena e consoladora convicção de ter sido o genio tutelar da casa de seus amos! Cada dia porém ia vendo fugir-lhe mais e mais a possibilidade da realisação d'esse sonho. Já quasi desconhecia a nova divisão interna, e visto pelo exterior o palacio remoçado e casquilho dava-lhe o sentimento de viuvez d'um pae que, depois de longa ausencia, encontra pervertida, impudica, a filha que deixára innocente e pura. Por vezes quasi chegára a ter odio áquellas paredes que n'uma passividade cobarde se deixavam assim violar com deshonra, sem ao menos usarem do seu privilegio de velhice para protestarem esboroando-se n'um cataclismo. Estranhára tambem de começo que Carlos tentasse leval-a d'ali, e lamentava que, ficando, elle não a acompanhasse n'aquella heroica defeza. Enternecendo-se, porém, dizia comsigo: Coitado, falta-lhe coragem para assistir a esta desgraça! De facto, Carlos nunca mais entrára n'aquelle bairro, nunca mais fallára na sua casa desde que, havia mezes, ella fôra vendida ou antes encontrada no credito de Silva Mattos. Limpo de dividas e das relações que ellas trazem começou a pensar praticamente no problema da sua vida até então apenas esboçado na phantasia cavalheirosa. Ir para a Africa! Hoje porém que já não se podia alistar nas phalanges aguerridas que iam conquistar Tanger, Argilla e Azamor, acabadas as guerras de raça e de religião e a força espansiva que levava Portugal ao Imperio de Marrocos, extincto o espirito militar que conservava aquellas praças para exercicio e tirocinio da cavallaria fidalga, só lhe restavam tres caminhos--o da administração,--o do commercio,--o da sciencia. Ser empregado, ser mercador, ou ser explorador. Lembrou-se então de ter lido algures, que ao sul de Mossamedes nos territorios de Owampo as areias brilhavam com fulgores metalicos, e que nas margens do N'gami um negro tinha achado uma pequena pedra com agua superior á dos brilhantes do Cabo. A sua educação permittia-lhe estudar aquelle problema, que podia significar um futuro desassombrado, e a imaginação impellia-o áquella empreza vaga e indefinida, ao encontro do desconhecido, eterno recurso dos espiritos doentes, no continente mysterioso onde, se não achasse a fortuna, teria ao menos a morte, longe do scenario triste dos primeiros episodios da sua vida. Ao coração que inopportunamente começára a sentir quando elle já irremediavelmente perdera a esperança de poder harmonizar a execução dos seus projectos com a posse de Mathilde, imporia silencio, encerrando-o no cofre de energia de que necessitava para caminhar sem hesitações. Ella, por seu lado, proseguindo na heroica abnegação, empregára todos os meios de o convencer que, sem abjecção nem desdouro, podia e devia casar com Maria, que na realidade o adorava. --Olhe, Mathilde, disse-lhe elle uma vez, se algum dia a fortuna deixar de ser avessa para mim, só uma mulher me poderá dar felicidade, e então irei pedir-lhe, a si, que, para epilogo do começado romance juntemos os nossos destinos, embora as cabeças branquejem, annunciadoras de velhice. Bem no intimo esta resposta de Carlos lisonjeava-a, acariciava o bocadinho de egoismo que acompanha sempre os mais sublimes sacrificios. E sem desistir da sua resolução heroica, sem permittir a minima concessão ás exigencias do seu coração de mulher, sentia comtudo mais facil a conformidade, achava mais suave a viuvez a que se condemnara. A sua vibratil feminilidade assim como lhe tornava airosos os movimentos, e lhe imprimia graça nas maneiras, transformava todas as suas ideias em sentimento, obrigando-a a pensar _pelo coração_. Em Maria, pelo contrario, a paixão revelava-se pela _ideia fixa_. A sua natureza impetuoa e ardente coloria com os tons vivos do enthusiasmo, exagerava com a desproporção d'uma lente convexa qualquer sentimento. O amor n'ella, era a vibração intensa d'um cerebro exaltado, a excitação agitadora de todo o systema nervoso. O que nas creaturas docemente amorosas como Mathilde dá o extasi; o abandono de todo o ser a uma aspiração vaga, a dedicação submissa, e a deliciosa abstenção da propria individualidade, nas almas violentas produz a preoccupação continua, a monomania do amor, o _delirium tremens_ da paixão, o desejo ideal da posse absoluta, um estado de hypnotismo constante. É o amor cerebral das que adoram, e das que matam. A sua sensualidade racional é mais terrivel, mais indomavel, que a das hystericas. Pode dominar-se uma paixão; ninguem tem em si força propria para submetter uma allucinação. Maria adorava Carlos assim. A sua phantasia imaginava-o aquelle conjunto de qualidades romanescas, de generosas loucuras, de audacias heroicas que formam a ave azul de todos os dezoito annos ainda os mais dados a prosa chã da vida. E de facto, Carlos, bello na sua despreoccupada elegancia, valente, nobre, intelligente, um quasi nada altivo, realisava, quando apparecia na sociedade cercado pela estima dos homens, aureolado pelos segredos surprehendidos em todas as boccas femininas, o typo ideal de molde para infiltrar no organismo da exaltada creança aquelle absorvente amor. O Pae apesar de pouco prespicaz em materia de coração, descobrira essa tendencia, e no empenho de a cazar, compromettera desastradamente o exito da missão delicada. Desde esse dia, Maria, conhecedora das relações entre seu Pae e Carlos, o que mais aggravava o estado do seu espirito, perdida a campanha de salvar a casa que o banqueiro resolvera comprar, e a esperança de a habitar noiva e feliz, entrou a deixar-se apossar da ideia de que a invasão d'aquelle palacio e a sua renovação (quasi um sacrilegio) lhe trazia a infelicidade de toda a vida, a ruina de todas as aspirações. O banqueiro por seu lado supersticioso, como todo o homem de negocio, começou a ligar á posse d'aquella casa a ideia de prosperidade nas vastas emprezas. Lisongeava tambem a sua crescente ambição de nobreza o facto de habitar o antigo solar d'uma familia illustre. Tardava-lhe portanto entrar para lá, sem pensar que cada martellada, que apressava a conclusão das obras, era como dada no coração de sua filha, que quando lançava os grandes olhos negros ao retrato de Carlos julgava surprehender um sorriso ironico escarnecedor, sobranceiro, e chamar-lhe com desprezo a filha do agiota! Foi portanto como se a obrigassem a commetter um desacato na piedosa capella onde fizera a primeira communhão, como se fizessem um feixe das suas crenças e a levassem a pizal-as profanando-as, que possuida d'um pavor quasi sagrado, Maria se apeiou n'uma tarde, do luxuoso _landeau_ á porta da nova habitação. Pela grande escadaria, agora tapetada, os espelhos reflectiam a sua figura elegante mostrando-lhe a cara pallida e as olheiras profundas do criminoso que entra com remorso na casa da victima. Lá em cima no espaçoso salão da entrada illuminado fortemente pelas fachos de gaz que guerreiros de bronze seguravam em attitudes theatraes, os creados de librés vistosas aguardavam a entrada. O largo reposteiro do fundo foi afastado por uma mão debil e mirrada e por detraz, com o olhar odiento, os punhos cerrados, os cantos da bocca espumosos, appareceu a velha Brigida curvada em attitude aggressiva como hyena surprehendida e atacada no covil. --Cheguei a tempo de receber os nobres senhores d'esta casa! Entrem villões para o palacio que roubaram! E n'uma catadupa de palavras explosia a colera, o odio, a indignação da pobre allucinada. O banqueiro um pouco interdicto e visivelmente contrariado pela inesperada scena, deu ordem a um creado para que a levassem para o quarto, em quanto não era recolhida a uma casa de saude. Maria no entretanto tentára serenal-a, mas Brigida como se a mordesse uma vibora, recuou um passo exclamando com violencia: --Não te chegues alma peçonhenta! Excommungada! Que quizeste ter palacio, ter salas, ter capella e obrigaste teu Pae a espulsar d'aqui o sr. D. Carlos. A filha do banqueiro ferida pela injusta lancetada das ultimas palavras fugio para o seu quarto. Abrio a janella para a mesma varanda d'onde mezes antes Carlos encontrára a resolução do seu problema, e correndo com a vista a toalha negra do rio, salpicada de pontos luminosos que se reflectiam na agua prolongados, tremeluzentes, fixou os olhos febris n'um, que imaginava pertencer ao vapor onde n'essa tarde elle embarcára e onde na seguinte manhã seria levado ao desconhecido destino! Largas horas permaneceu assim. Tarde, já bem tarde como se accordasse d'um pesadelo doloroso, e tivesse achado uma solução trabalhosamente procurada murmurou repetidas vezes com uma voz glutunal e secca: --Só o fogo purifica as grandes profanações! E repizando como n'uma ladainha aquellas palavras, dirigiu-se vagarosa e solemne ao seu pequeno leito, cujo cortinado branco, ligeiro, virginal parecia prometter abrigar sonhos perfumados, proteger consciencias serenas, asylar esperanças felizes! E com a mão firme e resoluta, pegou no castiçal, e chegou a chamma ao cortinado branco, ligeiro, virginal, que parecia prometter abrigar sonhos perfumados, consciencias serenas, e esperanças felizes! As labaredas subindo rapidas, communicaram-se á tela pintada do tecto onde uma alegre chorea de pequeninos e risonhos amores se enlaçava graciosa, como para inspirar sonhos perfumados, proteger consciencias serenas, sugerir esperanças felizes! O fogo alastrou rapidamente. Dentro em pouco ardia o palacio. Ao mesmo tempo outro incendio se ateiava no angulo opposto do vasto edificio, nos quartos habitados pela velha Brigida, que assim terminava como um bravo a defeza da praça assaltada. Aquelles dois corações tão separados tinham-se encontrado no mesmo sentimento; as duas loucuras na mesma ideia! Na tolda do paquete Carlos passeiava desde a tarde contrariado com o acaso que o collocára em frente da encosta sobre a qual se estende a Alfama. O sol poente illuminava com uns clarões alaranjados a cantaria cinzenta da egreja de Santa Engracia, triste como um monumento tumular, enorme, mysterioso. O collossal edificio de S. Vicente de Fóra com as suas torres á frente, semelhante a uma grande locomotiva caminhando para o sul pesava abrutada sobre a casaria miudinha. Á esquerda o Limoeiro, amarello, côr d'óca, contrastava com a elegancia severa das torres da Sé. E no centro do semi-circulo formado pelos quatro edificios, a sua casa, como um alfinete garrido pregado n'um _plastron_ usado attrahia-lhe inevitavelmente o olhar. Não querendo porém abandonar-se a um sentimentalismo piegas, resistia á tentação. As sombras da noite cada vez mais espessas, iam esfumando as linhas, apagando as côres, transformando o monte n'uma informe massa negra salpicada de luzes debeis. De subito porém um clarão vivo rompeu triumphante e logo outro bem perto. Então a phantastica luz d'um incendio, illuminou sinistramente o amplo theatro reflectindo-se no mar e bafejando com o halito do fogo o ceu esbrazeado. Nuvens de fumo ennoveladas sahiam das janellas tomando formas extranhas. E Carlos julgou ver distinctamente desenhar-se no ar o dorso e cabeça collossal d'um leão rompente, de cuja bocca sahia uma lingua de fogo. Seria o cumprimento da prophecia do Roque? Seria um presagio favoravel nascido na guella do leão? Pouco depois de chegar a Africa um jornal de Lisboa deu-lhe conta minuciosa do incendio. A noticia terminava relatando, que nos trabalhos de rescaldo, se encontrára no desabamento d'uma parede da capella, grande somma de bons dobrões de El-Rei D. João V. Uma fortuna para o novo proprietario! Pessoas que honram esta publicação com a sua assignatura S. M. a Rainha. S. M. El-Rei S. A. a Princeza Real. S. A. o Principe Real. S. A. o Sr. Infante D. Affonso. _e os Ill.mos e ex.mos srs._ Duqueza d'Avila e de Bolama, Duqueza de Palmella, Marqueza da Fronteira e Alorna, Marqueza das Minas, Marqueza Oldoini, Marqueza de Pomares, Condessa de Burnay, Condessa de Sabugal, Conde do Bracial, Conde do Côvo, Conde de Ficalho, Conde de Franco, Conde das Galveias, Conde de Gouveia, Conde de Mossamedes, Conde de Paço do Lumiar, Conde de Sabugosa, Conde de S. Mamede, Conde de Sobral, Conde de Thomar, Conde de Valbom, Conde de Villa Real, Visconde de Alvellos, Visconde d'Amoreira da Torre, Visconde de Benalcanfôr, Visconde de Carcavellos, Visconde de Correia Botelho, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Monsaraz, Visconde dos Olivaes, Visconde de Rio Vez, Visconde de Seabra, Visconde de Taveiro, Amelia Leopoldina Teixeira Bastos (D.), Amelia Santhiago (D.), Clotilde de Carvalho (D.), Emilia Flores Santos Rodrigues (D.), Guiomar Torrezão (D.), Helena de Mello (D.), Luiza Eduarda Nunes Barata (D.), Margarida Candida da Costa Palhinha (D.), Maria Amalia Vaz de Carvalho (D.), Maria da Conceição Rodrigues Carvalho (D.), Maria Emilia Laranja Palma (D.), Maria do Espirito Santo (D.), Maria José d'Almeida Ferreira (D.), Maria de S. Francisco Xavier da Cunha e Souza Pinto Cardoso (D.), Maria Veiga d'Araujo (D.), Sebastiana Ribeiro de Sá (D.), A. A. C. Alves, Aarão de Faria, Abel Martins Ferreira, Abilio H. Barata Diniz, Accacio Bartholomeu da Silva Flores, Adelino Mendes de Figueiredo, Adolpho Pinheiro Osorio Martins, Affonso Vasques, Agostinho d'Abranches Teixeira F. Viegas, Alberto Lacerda, Alberto Leite, Alberto Lopes Pacheco, Albino Montenegro, Aleixo Cesario de Sousa Ferreira (Dr.), Alfredo d'Amorim Pessoa, Alfredo de Castro, Alfredo May d'Oliveira, Alfredo Motta (Dr.), Alvaro de Castellões, Alexandre de Castilho, Annibal Guedes, Annibal Ribeiro de Mattos Viegas, Anthero do Quental, Antonio Alves de Sousa, Antonio Augusto de Carvalho Monteiro (Dr.), Antonio Augusto Ferreira da Silva, Antonio Ayela Sanchez, Antonio Caetano Vianna, Antonio Candido, Antonio Cesar da Costa, Antonio Coimbra, Antonio Diogo da Silva Junior, Antonio Fernandes Coelho, Antonio Florencio dos Santos, Antonio Girão, Antonio José d'Avila, Antonio José Carmo Borges (Dr.), Antonio José de Carvalho Borges, Antonio Januario Magalhães Mendonça, Antonio Lopes Mendes, Antonio Luiz Fernandes, Antonio M. Dias Mazzioti, Antonio Mamede, Antonio Maria Barbosa, Antonio Maria Peixoto Vieira, Antonio Maria da Silva Costa Manes, Antonio Maria de Sousa Nunes, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Montenegro, Antonio Montenegro & C.ª, Antonio Pinto, Antonio Ribeiro Liz, Antonio Rodrigo Tocha, Antonio Silveira Lemos, Antonio Venancio d'Oliveira David (Dr.), Antonio Vieira de Tovar Magalhães e Albuquerque, Antonio Waddington, Armando Odone Pereira Brandão, Arnaldo Van-Zeller, Arthur Magalhães, Augusto Alfredo de Mattos Chaves (Dr.), Augusto Emilio Bredo de Mello, Augusto Forjaz, Bibliotheca Publica d'Evora, Bazilio de Castello Branco, Benjamin Bazaglo, Bernardino Machado, Bernardo de Lencastre, Bernardo Pindella, Bulhão Pato, C. A. Soares Cardozo, C. Garcia, Carlos Carvalho, Carlos Maria Eugenio d'Almeida, Carlos Relvas, Cassiano Augusto Pessoa d'Amorim, Diniz Moreira da Motta, Dyonisio de Carvalho, E. de Barros e Sá, Eça de Queiroz, Eduardo d'Abreu (Dr.), Eduardo Augusto da Silva, Eduardo Moreira Marques, Egydio Teixeira, Emilio Flores Santos Rodrigues, Emilio Rosa, Emygdio Navarro, Ernesto de Carvalho, Estevão de Sousa, Ezequiel de Soveral, F. C. da Cunha Rego, Feliciano da Silva Gião, Fernando d'Almeida Noronha (D.), Ferrer Farol (Dr.), Filippe França, Francisco Alexandre de Vilhena, Francisco Antonio Palma de Vilhena, Francisco Avelino N. de Carvalho, Francisco Fiusa Guião, Francisco Julio de Sousa Pinto (Dr.), Francisco H. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.net This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.